A Arte da Observação

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E de repente o mundo se entreabre num fascinante mistério de luz. O olhar percorre o espaço irrequieto, perturbado por sensações múltiplas, bombardeado por algo que perpassa a percepção. Há um abrir-se e fechar-se de momentos fugidios. Instantes fragmentados de uma vida realidade perturbada que penetra pela retina… Não é uma imagem. Não é o vislumbre de algo que se possa entender como real. A lógica não se aplica ao foco capturado pelo olho. Ela é, antes de tudo, uma experiência.

Observar é isso: antes de tudo uma experiência. Algo que trabalha diretamente com o intuitivo de cada um. Observar não é olhar com os olhos corrompidos de modernidade apressada. Aquele gesto quase profano, atitude indelicada de seres que perderam a capacidade da atenção. É antes um carinho, um aconchego, um respeito por aquilo que se abre aos olhos e, como a noiva em sua noite de núpcias, revela-se ingenuidade e doçura. É o ato mais intenso e profundo de um momento único, capaz de alimentar não apenas a percepção, mas também a alma.

A atualidade apressa aquilo que deveria ser tratado com calma. Já não há mais o tempo da degustação. Tudo é voracidade e violência. E há uma tal banalidade nisso que o mundo virou um movimento acelerado demais para os sentidos. Quando tudo é pressa não há tempo para alimentar a sensibilidade do artista. O olho está embotado. O olho, transformado em órgão supremo de uma sociedade que cultua a imagem como um Deus, está tão saturado de flashs estéreis que já não acompanha mais o belo. O vício da banalidade impregnou o olho com a irônica idéia de que tudo merece atenção. E se desacostumou-se a observar o singelo e o simples, tão promiscuo virou essa profusão de cores e formas. Conteúdo sem conteúdo de imagens que valem por si mesmas. Mas elas próprias não valem nada por que não dizem nada.

A arte começa, antes de tudo, pela sensibilidade do artista. E esta começa, antes de tudo, por um olho curioso e irrequieto que deseja novidades. Aquela necessidade quase infantil de descoberta de um mundo outro, um encantamento fantástico que está além da aparência dos olhos. O artista retrata a experiência daquilo que observa. Muito mais do que ver somente, a experiência da observação penetra por todos os poros, atingindo o ser em sua totalidade. A arte está em contato com a realidade. E a realidade é construída através dessa relação entre o meio e o ser.

Essa relação se dá não só pela ação, mas pela observação. Que não deixa de ser um ato. Embora um ato relegado ao desprestígio da inutilidade. Permitir-se ver o mundo com outros olhos, é também uma forma de interferência. É através desse novo olhar, dessa nova perspectiva que se abrem as respostas para a mudança. Muitas vezes o olhar é de pura indignação, outras de curiosidade, outras de ternura… mas é antes um enriquecimento. É o momento presente sendo olhado pela perspectiva única de um ser que questiona o mundo mesmo sem o saber.

Quantos abdicam da possibilidade do questionamento. Não pensam criticamente nem sensivelmente através de seus olhos. Nem sequer observam. Apenas há o fingimento de que estão vendo o mundo. Mas ver é muito mais do que enxergar. O artista deve antes de tudo treinar o olhar.

Permitir viver a experiência de deixar-se penetrar pelo momento presente. Estar consciente de que o mundo não pára, de que existe coisas belas misturadas a coisas feias.. de que o feio é só um ponto de vista torto ou pré concebido… o preconceito mata a capacidade da observação. O olho não precisa de julgamentos. Ele apenas precisa a gentileza e da generosidade daqueles que aceitam com os braços abertos. A observação aproxima a arte da sua essência verdadeira. E o homem da sua já tão esquecida capacidade de se encantar com o que é simples. Teorias, frases bonitas, citações são boas para a razão que põe tudo a prova. Mas o silêncio é mais poético. O silêncio retrata o olho com mais beleza. As vezes, o artista precisa calar sua arrogância para abrir-se para a arte. As vezes o artista esquece-se do que é ser artista. Confina-se num emaranhado tolo de técnicas e teorias e esquece de olhar a vida. Olhar com olhos puros de quem se encanta pela primeira vez. A arte da observação não precisa mais do que generosidade… consigo e com o mundo à volta. Infelizmente, ainda existe a arrogância do artista…