O Ator e seu Não Conceito

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O ator! As vezes essa palavra parece transfigurar-se numa entidade. Toma contornos enigmáticos e misteriosos. Habita o imaginário das sociedades com sua força quase bruxólica. Muito embora travista-se de deus de quando em quando, não deixa de ser homem. De carne e osso, pulsa a mais profunda humanidade. Chafurda nas misérias e mazelas daquela entidade ainda mais enigmática que o próprio deus: o ser humano.

O onírico encanta os sentidos com sua aura mágica e transcendente. O onírico traveste o homem de sonho para fazer contar sua própria história como se fosse de outro. Falar de si como se fosse uma voz que caminha pelas estradas, ecoada de boca em boca, passada de ouvido em ouvido, cada vez a alma de cada um… até repousar na figura daquele de quem se fala: todas as bocas, todos os ouvidos.
O ator! Haveria uma resposta definitiva para nomear, ou melhor, denominar o que seja ele? Quem ainda não se transformou em sujeito fato. A identidade é estilhaçada em mil possibilidades de ser. Entre tragédias e comédias a expressão maior de um obscuro que fascina e causa espanto. Dizer que o ator é quem, é o mesmo que trata-lo como sendo gente… pessoa comum igual a qualquer um… igual a tantos perdidos nos descaminhos da vida. E muito embora seja ele qualquer um – ainda mais qualquer que tantos -, ri escarnecido da verdade vaidosa e triste que está muito além das aparências.

Não se atua por escolha. Ninguém escolhe a chama que nasce consigo consumindo as entranhas. Ninguém nasce contente pela inquietação latente diante do espelho da realidade. Atua-se por convicção. Uma crença profunda que move o ser de tal maneira… sem palavras, sem explicações. Atua-se por desespero de saber-se ação. O Verbo encarnado que gera uma vida, um mundo… todas as vidas, todos os mundos. Não há como não desesperar-se…

O ator! O que é? Não é.. não pode ser. Não pode existir. Porque é, existe. Está ali dançando alegremente a contradição da existência. Com toda a sua verdade, mente. Com toda a sua fantasia mostra a realidade. Mesmo lacrimoso, ri. Mesmo morrendo, vive. O que… objeto brincalhão… O que… ferida aberta sangrando que do latejo permanente lembra que há algo de errado. Tratado como tumor, seu gemido é a cura para as falácias e as hipocrisias. Mesmo marginal, escorraçado para os guetos fétidos, ainda é o santo que levanta a voz erguendo-se do lodo, exibindo o lodo, cheirando o lodo, comendo o lodo… o brilho as vezes encobre essa aparência viscosa de quem revirou o lixo. O brilho as vezes esconde a dor daquele que fez a pior das escolhas…

O ator! Posto num pedestal até se pode dizer que é elegante. Mas a chama tinhosa continua queimando por dentro. Passado os tempos, novos meios, novos métodos. Mas a inquietação persiste. Mesmo com longos vestidos, jóias, o próprio nome farsesco escrito em luminosos, não pode negar o fato de que nasceu para carregar em si a sina de ser a própria alma do homem. De ser o espelho do homem. O reflexo de si mesmo.
Há quem perca tempo em querer nomeá-lo. Decifra-lo como se ele fosse o enigma da esfinge. A verdade é que não possui nomeação. Inominável. O verbo em substantivo próprio. Objeto do próprio sujeito. É apenas isso: O Ator! E resumido ao agente da ação não precisa de mais nenhum entendimento. É isso apenas. Sem grandes mistérios obtusos. Ainda assim a chama queima. Essa sim, inominável. Como apaziguar a víscera gritante? Não há resposta. Só há a pergunta… o silêncio fingindo da não explicação.