A dificil missão de assumir

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Ah os adolescentes… quantas manias!
Eu amo os adolescentes assim como amo os pré-adolescentes (de preferência os que já saíram da fase do “porque?”).
Bom, tive uma conversa genial com uma adolescente. Candidata a atriz. Talentosa. Bonita. Do tipo mion que a TV mais adora. Mas jurava que não queria. Queria esmo era ser atriz de teatro.
Soube que eu estava produzindo qualquer bobagem e me procurou.
Eu: ah que legal você querer ser atriz!!! Já começou a estudar?
Ela: Já sim, faço Célia Helena e gosto muito.
Eu: Ah, você gosta de teatro mesmo? Achei que quisesse TV.
Ela: Não, não. Primeiro quero fazer teatro e depois, se der certo, TV.

Eu: Nossa, que raridade. Normalmente elas querem ir direto pra TV. Tem que ser Globo e de preferência para estrear em horário nobre sendo filha da Suzana Vieira….
Ela: Não, pelo amor de Deus… eu sou diferente! Quero fazer as coisas de maneira a diminuir a margem de erro. Primeiro quero o que dizem ser mais difícil.. depois com experiência para ser julgada, vou querer ser julgada. Agora é cedo pra me expor.
Eu: Parabéns por esta cabeça e pela maturidade. Você vai longe se continuar deste jeito.
Ela: Eu vou, claro. Não tem jeito de eu querer fazer como todo mundo porque tenho muitas amigas que fizeram testes intermináveis e nunca passaram. Isso só significa que, ser um rosto bonito te leva pro teste. Um rosto bonito sem talento, te reprova no teste. E na realidade, as habilidades mais complicadas a gente desenvolve fazendo teatro, né?
Eu: Isso mesmo. Na realidade o teatro é mais complicado pela respiração ali, pela presença, pela distância mínima entre nós atores e o público, pela possibilidade de errar e ter que concertar sem ninguém perceber… isso tudo faz do teatro uma arte mais ampla, complexa e mais … ah.. mais… mais bonita. Acho que é isso, o teatro é mais bonito que a TV.
Ela: Eu concordo com você, sabia? Mas deve ser complicado fazer TV também..
Eu: Ah, com certeza também é. Mas a vantagem é que ali se você erra, eles voltam a fita, editam, é tudo feito pela repetição que a TV permite. Daí a facilidade em poder arrumar o que não está, segundo os padrões da TV, perfeito. Mas por outro lado, a TV é bacana é porque reconhece, leva o ator pro sofá da casa do público, gera fama, mais dinheiro e uma vida mais estável.
Ela: Hurum… é mesmo, né!?
Eu: Claro. E acho que por tudo isso a oferta de trabalho é muito menor que a procura. Quem vai escolher fazer teatro com tantas desvantagens em cima da TV? Só quem gosta mesmo, só quem tem sangue pra agüentar a paulada que é ser ator de teatro. Tem que ter muita paixão pra fazer isso da vida. Uma paixão incondicional quase.
Ela foi ficando silenciosa. Devagar, desviava o olhar pra outros cantos da sala onde acontecia o papo. Ficou inquieta. Começou a comer os cantinhos dos dedos num sinal claro de que eu estava dizendo coisas que estavam incomodando. Mexia nas pernas, balançava o pé esquerdo naqueles movimentos rápidos de vai-e-volta que fazemos durante as aulas de física da escola. Levantou, pediu licença e saiu.
Estreou na novela das 8. Vejo a cara dela todo dia.
E nunca se formou no curso de teatro.
taticavalcanti@uol.com.br