Campo Minado

 

Tomba no meio do caminho aquela pessoa desavisada que vive na ilusão de que ser ator é uma tarefa fácil. Muitos se iludem com o glamour da profissão, mas se esquecem que por trás disso existe muito trabalho, um trabalho exaustivo e, por vezes, desesperador. Digo desesperador porque para compor um determinado personagem o ator, além de passar noites e noites em claro decorando o texto, precisa suar a camisa para transmitir para o público com muita propriedade todas as nuanças da alma, trazendo para a cena tudo aquilo (e muito mais) que está impresso nas laudas escritas pelo dramaturgo; desesperador pelo fato do espetáculo estar próximo da estréia e o ator ainda não ter se apropriado de determinadas coisas na composição do seu personagem. Digo composição porque não acredito em ator que "encarna". Teatro não é terreiro de macumba.

Antes de continuar, vou abrir um parêntese. Desde que me conheço por gente nunca encontrei um ator que antes de entrar em cena ficasse esperando o "santo baixar". E se o santo não "baixasse" até o horário da apresentação? O público ficaria esperando até que a entidade resolvesse descer ou apresentação seria cancelada? Se alguém viu algum fato semelhante, me avise, por favor e não titubeie: encaminhe imediatamente essa pessoa para um sanatório.

Devido a essas dificuldades e muitas outras, muitos desistem no meio do caminho e vão trilhar outras profissões menos "dolorosas". É a famosa seleção natural, a arte da resistência, onde só permanecem uns poucos eleitos – os que sabem que para fazer teatro têm que fazer mil e uma renúncias, mil e um sacrifícios, entre eles, abandonar seus pais, seus amigos (e isso não quer dizer que você não os ame) – enquanto outros ficam em casa, esperando que algum diretor ou produtor venha bater na sua porta para lhes dar emprego.

Ao término de cada ano letivo, diversas escolas e faculdades de teatro do Brasil formam centenas de atores, mas quantos desses seguem carreira? Uma minoria. Da minha turma, por exemplo, dá pra contar nos dedos de uma mão aleijada, quem está no mercado.

Conheci pessoas que se matricularam nos cursos só para passar o tempo ou porque não tinham nada para fazer. Ainda bem que esses são os primeiros a desistir.

- Dá pra ficar rico fazendo teatro?

Ouvi essa pergunta milhares de vezes. Rico, não digo. Mas dá pra viver legal desde que a pessoa não se acomode. Conheço muita gente que vive de teatro. Não sobrevive, vive mesmo. Gente que hoje tem casa própria, carro, esposa e filhos que estudam em colégios particulares; gente que tem um local próprio pra ensaiar, que se apresentam em teatros legais...

- E para se chegar até aí?

Respondo: Gente que no início passou fome, morou de aluguel em alguma pensão vagabunda onde a proprietária era uma velha gorda que andava gemendo e arrastando os chinelos ou num minúsculo kitchenete, gente que, por falta de grana para o transporte ia para os ensaios a pé e sem ganhar nenhum centavo.Vale citar que os ensaios aconteciam numa sala ou numa minúscula garagem da casa de alguém do grupo, e quando o espetáculo estreava, normalmente em algum buraco fedido de 30 ou 40 lugares, que hoje chamamos de espaço alternativo, no final do mês recebia (quando recebia) uma merreca de cachê, que mal dava para pagar uma conta de luz. Quantos artistas não enfrentaram essa situação? Quantos amimaram festinhas infantis, quantos ganharam alguns trocados ao fazerem testes para algum comercial, quantos não saíram correndo do teatro após o espetáculo para carregar bandeja em algum restaurante? Não sei calcular, mas foram muitos. Perto de cem por cento.

Se você sobreviver a essa tragédia nuclear, meus parabéns, você está no caminho certo. A questão é saber administrar essas coisas e não querer dar o passo maior do que as pernas. Tudo tem o seu tempo. Basta ter os pés no chão e a cabeça nas nuvens.

Minha intenção não é destruir os sonhos de ninguém. Se você quer ser artista, então, a primeira coisa que terá que fazer é plantar os dois pés no chão e ter a consciência de que está num campo minado. Caminhar com cautela para não correr o risco de que uma bomba possa explodir na sua cara, além de ter muita dignidade e cuidado com determinados grupos, que são verdadeiros ninhos de serpentes. A segunda é ter a cabeça nas nuvens, pois o artista nada mais é do que um grande sonhador. E a terceira e talvez a mais importante: se achar que trabalhar em teatro é difícil, vá num canavial cortar cana, pra ver o que é bom.