“Durante o espetáculo serviremos um jantar para dois espectadores. O prato servido será gulash com polenta, prato típico romeno (...). Se você quiser participar basta acenar para a atriz no momento que ela chamar. Obrigado.” *
Está tudo ali. Tudo sem hierarquia de importância. Tudo é aproveitado. O expressionismo como pintura, como composição cênica, como expressão dos sentimentos. Tudo é lido como um texto heterogêneo. Tudo.
Nelson Baskerville, diretor e responsável pela adaptação do texto de Aglaja Veteranyi, “Por que a criança cozinha na polenta”, a cada trabalho (pelo menos naqueles que estive presente – Camino Real [2007] e Moritz - Ternos e Eletrodomésticos [2007]), não se perde em sua proposta ou na realização dela. Algo como se as peças formassem um grande espetáculo a cumprir a compreenção da sua mensagem na renovação teatral e percepção do social. Não desmereço aqui grandes espetáculos que seguem os moldes clássicos teatrais, apenas qualifico o golpe de ar fresco apanhado ao nos reinventarmos.
"A IMAGINAÇÃO É AUTOBIOGRÁFICA.” **
A história é narrada por uma criança, filha de pais circenses, que cresceu no período autoritariamente trágico da Cortina de Ferro adotado pela União Soviética. O único livro da escritora romena Aglaja Veteranyi (1962 – 2002) traduzido para o português, “Por que a criança cozinha na polenta” – nome que também leva a peça – , traz fortes aspectos autobiográficos de sua vida. Na apresentação, a tradutora Fabiana Macchi, deixa claro: “Autobiografia sim, mas sem memorialismo. Um malabarismo de perspectivas.”
''SONHO QUE MINHA MÃE MORRE. ELA ME DEIXA UMA CAIXA COM A BATIDA DO SEU CORAÇÃO.''
Sob a ótica dessa criança exilada, percorrendo inúmeros cantos do Leste Europeu, é possível perceber a incoerência humana, repetindo os mesmos erros. Talvez venha daí a opção de contar a história dessa menina, que viveu um conflito de ideais políticos inaceitavelmente irreais, com uma linguagem teatral fugindo de qualquer pensamento realista. Paradoxalmente, nessa fuga de tudo, encontram-se todos os elementos presentes no teatro pós-dramático. Mas é no uso deles, na significação aplicada, no desrespeito afetuoso a convenções, e explosão de imagens onde é possível criar no espectador outras inúmeras emoções e assimilações.
"IMAGINO O CÉU. ELE É TÃO GRANDE, QUE LOGO ADORMEÇO, PARA ME ACALMAR."
Então dá-se o encontro, onde a palavra não é a principal motriz, onde cenário e objetos cênicos, trilha, projeções, gestos, danças e atuações (inclusive, ótimas atuações da Cia. Munguzá de Teatro) compilam-se de fato em um espetáculo extremamente estético e sensorial. Onde a tortura idiossincrática existente em cima do palco é transformada em indignação pela tortura cometida dentro daqueles quartos (e mentes) de janelas cobertas por cortinas de ferro.
Desde o ínicio, o ar é preenchido pelo cheiro de comida cozinhando na boca do fogão...
"NA HORA DO ABATE, O CACAREJO DAS GALINHAS É INTERNACIONAL, ENTENDEMOS, NÃO IMPORTA O LUGAR."
* Aviso entregue junto com o ingresso para a peça. ** Trechos do livro “Por que a criança cozinha na polenta”, de Aglaja Veteranyi
"Por Que a Criança Cozinha na Polenta" de Aglaja Veteranyi, tradução Fabiana Macchi
Temporada até 29 de março
Sextas e Sábados 21h e Domingos 19h ingressos: R$ 15,00 e R$ 7,50 (estudante e classe artística)
Teatro Arthur Azevedo: Rua Paes de Barros, 955 - Moóca - São Paulo/SP
Próxima temporada:Abril e Maio - Teatro Fábrica - Quartas e Quintas-feiras (horários a confirmar) - São Paulo/SP
DIREÇÃO E ADAPTAÇÃO Nelson Baskerville DIRETORA ASSISTENTE Ondina Castilho DIREÇÃO MUSICAL Ricardo Monteiro TRILHA SONORA Nelson Baskerville PREPARAÇÃO DE ATORES Ondina Castilho e Flávia Lorenzi ILUMINAÇÃO Wagner Freire CENOGRAFIA Flávio Tolezani FIGURINOS Aurea Calcavecchia e Carol A. VÍDEOS Patrícia Alegre PROJETO GRÁFICO: Nelson Baskerville ASSESSORIA DE IMPRENSA Vânia Barboni PRODUTOR ASSOCIADO Nick Ayer