- Me Dá Um Convite?

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“Não me peçam para dar a única coisa que tenho para vender”, já disse Cacilda Becker.
“Me dá um convite?”. Quem já não ouviu essa pergunta dezenas de vezes?
A gente já não ganha porra nenhuma durante os ensaios, tiramos grana do bolso para bancar a produção, transporte e a nossa alimentação. Não temos nenhum patrocínio ou lei de incentivo como a Rouanet, o Fomento ou outra merda qualquer, que bancaram a produção; ou seja, tudo foi feito às próprias custas. E quando o espetáculo estréia, o mínimo que esperamos, é recuperar a grana investida na produção durante a temporada. Fora isso, temos que pagar o aluguel do teatro, que não é barato. O que cabe à equipe é uma pequena porcentagem da bilheteria, que não chega a R$ 100,00 mensais se tudo correr bem e tivermos todas as sessões lotadas com ingressos que custam, em média, R$ 20,00.
Poucas pessoas pagam o valor inteiro do ingresso, pois existe a carteira de estudante, e o valor já cai pela metade. Além do desconto dado para a classe artística e as cortesias dos jornalistas.
Muitas vezes queria assistir a um espetáculo e não ia porque estava duro de grana. Nunca fiquei na porta do teatro, esperando pelo produtor ou diretor do espetáculo, mendigando por um convite. Se me davam, beleza. Mas sempre fiz questão de pagar pelo trabalho dos meus colegas.
Se a pessoa está a fim de ver uma peça e não tem grana, a solução é simples: é só deixar de tomar três cervejas, que já tem como pagar o ingresso. Você tem que optar: ou toma cerveja ou vê o espetáculo. A decisão é sua. Ou então, procure espetáculos gratuitos. Chegue no local com três horas de antecedência, enfrente aquela enorme fila do Teatro Popular do SESI da Paulista, adquira o seu ingresso e veja a peça.
Se eu vou andar de metrô ou de ônibus, preciso comprar o bilhete; se vou de táxi, preciso pagar a corrida; se vou a um restaurante, preciso pagar pelo prato; se vou comer uma puta, tenho que pagar pelo programa; se tenho um veículo, preciso pagar a gasolina e o estacionamento; se uso o telefone, preciso pagar a conta; se vou a uma locadora, tenho que pagar pelo filme; se moro num apartamento, tenho que pagar o aluguel e o condomínio; se vou na farmácia, tenho que pagar pelos remédios; se vou ao supermercado, preciso pagar pela compra; se vou ao cinema, tenho que pagar pelo ingresso. Por que com o Teatro tem que ser diferente?
Será que as pessoas não perceberam que vivemos, ou melhor, sobrevivemos disso? Será que alguém já chegou em um restaurante e pediu meia para o prato que comeu? Ou fez uma compra enorme no supermercado e ao chegar no caixa, pediu para levar os mantimentos de graça? Ou pediu um convite na bilheteria do cinema para a estréia de um novo filme? Ninguém faz isso. E por que nós, atores de teatro, temos que dar convite? Já não está na hora de mudarmos a nossa postura em relação à isso?
Será que as grandes produções, como “O Fantasma da Ópera”, “As Mulheres da Minha Vida” e “O Avarento”, liberam os convites para quem lhes pede? Essas produções são patrocinadas por grandes empresas e ainda assim os ingressos custam os olhos da cara. O valor inteiro do nosso ingresso multiplicado por 2, equivale à meia-entrada dessas produções que citei. Não é necessário dizer mais nada, não é?
Nós temos que nos dar ao respeito. Valorizar nosso trabalho. Dar convites apenas para quem nos apoiou. Aí sim, pois estamos fazendo uma troca. Posso sim, dar convites para uma pessoa humilde, que nunca foi ao teatro e que não tem, realmente, condições de pagar. Aí o papo é outro! Mas dar convites a quem pode pagar? Por que? Já não estamos oferecendo o espetáculo em troca do seu dinheiro?
Recentemente, fui alugar um DVD de uma locadora perto de casa e convidei a funcionária para a peça. E ela foi logo dizendo:
- Me arruma um convite que eu vou.
E eu, rebati na hora:
- Se você me der de graça a locação desses 5 DVDs que tô levando, eu te arrumo.
- Ah, meu amor. Não posso. Eu vivo disso. – disse ela, profissional.
- E acha que eu vivo do quê? Que me alimento de luz? – questionei, irônico e completei. – Se você não pode me locar esses DVDs de graça, eu também não posso lhe arrumar o convite.
Ela calou-se imediatamente, paguei pela locação e ela não tocou mais no assunto.
Eu valorizo meu trabalho. Se eu não fizer isso, quem irá valorizá-lo?