Artigos Diversos

EVANGÉLICOS CONTRA o TEATRO e a QUADRILHA CAIPIRA


Coelho De Moraes

 

Não é de hoje mas venho observando que tem gente se manifestando contra as correntes populares da maneira mais subterrânea, inferial, gauche, possível. São os evangélicos. Lutam contra a cultura popular e isto significa lutam contra a sabedoria de raiz dos povos e das pessoas. Querem substituir esta cultura pelo jugo pesado de obediência a seus cultos e ordens de depósito de dinheiro.

Trata-se do teatro e trata-se da manifestação popular das festas joaninas (que queremos juninas / quiçá julinas / no RJ até agostinas) os focos de ação desses empedernidos evangélicos e suas seitas estranhas e multiformes, camaleônicas. Tem até Faculdade, por ai, que se diz cristã, mas,  impede que seus alunos se manifestem na cultura popular das danças de quadrilha, dos folguedos em torno de fogueiras, da soltura de rojão,  argumentando, solerte, que são atitudes idolátricas; que representam o pior da religião. O mesmo fazem com o quase tri/milenar teatro que apontam como fonte de mazelas e destruições de lares e mentes. Parece que os pesquisadores desta Faculdade perderam o rumo da liberdade cientifica e de opinião. Além da noção da identidade cultural regional.

Tais atitudes lembram a dos inquisidores: dizem eles, ‘há bruxaria no teatro, adorando falsos deuses’ e, ‘há bruxaria nas festas juninas na adoração dos três santos’.

Tirando o aspecto religioso e celebrativo das atividades citadas, ambas  de raiz popular, percebemos que há uma jihad contra a cultura brasileira nesta e em outras áreas. Sinistra, lenta, gradual, como a redemocratização d’antanho. Evangélicos, que lêm mal e mal interpretam a bíblia, confundem alhos com bugalhos e nem sabem por que havia porcos numa terra hebraica  em que não se consumia carne de porco.

Para tais seitas religiosas, que pululam como bancos pelas cidades e bairros atrás de dízimos valiosos, e, da simplória fidelização de seus seguidores, em troca de uma suspeita consolação pelos males que o demônio causou na civilização ou na fundação desta, podemos notar que lentamente tentam destruir construções culturais como cinemas, espaços de diversão, e outras manifestações lúdicas, para ganharem espaço deles no espraiar de empresas religiosas que exploram a imagem, mesmo que não definida em gesso mas já pré-definida pela história,  do Cristo.  E, que diferença fará de uma imagem da outra?

A imago independe de forma sólida.

Curioso. Roupa tem a forma do corpo humano. Será pecado usar roupa?

Agora mesmo, nas calendas junias, sob as bênçãos de Juno mulher de Zeus, rainha capitolina,  ensaiava eu um grupo arceburguense na comemoração dos 100 anos de independência administrativa, quando soube que uma atriz e um ator mirim, por ora, oriundos forçados de seitas evangélicas replicantes, foram proibidos de  participar de certa  cena em que ocorre a quadrilha caipira dançada com roupas características e cantos de louvação a santos (incluindo o ‘olha a cobra’, a ‘ponte caiu’, ‘olha o túnel’ que nada têm a ver com o santo mas com o trajeto dos festeiro até o terreiro (ops) da dança).

Ora, a quadrilha, oriunda dos minuetos franceses, misturada com polca e laivos da negritude, foi absorvida pelas comunidades rurais e há séculos é matéria folclórica estudada por inúmeras universidades (dentro e fora do país), através de canções, danças e sincretismos. Mas, os jovens evangélicos, têm que ficar de fora da cena da quadrilha pois ela pertence a certa manifestação, segundo os pastores (sic), que idolatra santos alheios de origem infernal. Devo dizer que o deus dos evangélicos permite a usura,  a exploração pecuniária, mas, não permite que as crianças participem da dança de quadrilha caipira. Curioso.

Com a cara lavada e o cinismo de ponta eles aparecem nas TVs e pedem dinheiro com carnê e tudo; ameaçam que as portas do céu não se abrirão. Mas chutam estátuas de santa, jogam dólares para o alto, ordenam que deixem o dízimo e impedem que seus jovens se tornem expansivos e artistas diletantes.

Isso é ceifar na base a cultura e o folclore de um povo. Terão eles esse direito? É para se  observar tais atitudes apedeutas e ignaras, ou, há que se posicionar na defesa do folclore que é matéria obrigatória nas escolas e é matéria obrigatória na alma e no coração do povo que somos nós?

Herança e identidade. Devemos perder nossa identidade ou ir contra a objeção de pastores que têm as páginas da bíblia marcada com bilhetinhos com textos adequados para a lavagem cerebral do momento. Textos torcidos e mal traduzidos.

Aquilo que veio do índio, do negro e da raiz popular é coisa do demônio?

Aquilo que os imigrantes trouxeram dos berços ibéricos é matéria de culpa?

O teatro com seus mais de 2500 anos é coisa do demônio? Qual?

As procissões serão obra do demônio? As festas do Divino? As festas coligadas na Bahia unindo candomblé e cultos religiosos são o que?

Banco não, n’é? Carnê também não! Tirar o dinheiro do fiel que só vai ao culto por que sofre e se sente participante do clubinho de apoio, uma espécie de T.O. com cristo na cabeça, pode, também sem maiores problemas, pois pastores se acham eleitos e herdeiros do trono e dos 24 assentos de anciães (Aurélio diz que se manda bem nas três forma de plural). Soberba.

Artigos e opiniões são forças de debate e busca da lógica e da razão e mesmo da sabedoria; sendo assim,  desejo ardentemente que os pastores evangélicos se manifestem argumentando o ‘por que’ da proibição da participação de seus subjugados às  festas em homenagem a santos.  Por que a ulcerativa raiva contra cinemas e  manifestações de artes cênicas? Por que desejam exterminar a cultura? Por que são sempre contra as manifestações de arte? Será por que Lúcifer era chefe do Coro Celestial? E sobre  a multiplicação de musicistas que tocam somente para Deus nas congregações, enquanto não são contratados pois a partir desse momento tocam em qualquer lugar, até em boite? Caras de pau.

Um dia leram que era proibido erguer ídolos e imagens e não souberam deslindar o momento histórico do texto e as realidades políticas da região. Coisas da seara da interpretação de textos.

Profetas com ant’olhos?

 

 

Arte, a cura para todos os males

Não há quem não esteja à flor da pele, armado feito bomba, pronto para explodir à primeira palavra que lhe contrarie. Isso é aparente e está estampado no semblante de cada um, basta andar com o olhar mais atento pelas ruas. Estamos sofrendo e, já são tantos males, que muitos de nós, nem achamos mais graça em quase nada e, a cada dia, enterramo-nos mais e mais neste poço de angústia.

 

A tecnologia, o progresso, a velocidade com que nos comunicamos, afasta-nos cada vez mais. Preferimos um “scrap”, a um forte abraço de feliz aniversário. E nos isolamos. Ficamos cada vez mais carrancudos e taciturnos que, a vida na cinzenta cidade, torna-se cada vez mais cinza. E os males que nos rodeiam, atacam sem dó. Parece que não há remédio, seja ele alopata, ou homeopata, que nos faça reagir.

 

Tudo é motivo para brigas, discussões e comportamentos agressivos. Busca-se apenas diversões efêmeras e vazias e, assim, sentimos-nos mais vazios. E como curar essa sociedade entrelaçada nas teias que ela própria criou? Doses e mais doses de arte. Sim, arte de qualquer espécie. Desde a Grécia Antiga que a arte é o antídoto perfeito para aliviar os males da população.

 

Levem as pessoas à um recital, à um concerto, à uma ballet, convidem as pessoas para assistirem uma peça de teatro, ou quem sabe um bom filme. Ou por que não convidá-las para ver uma exposição? Talvez levá-las à uma pinacoteca, ou ao lançamento de algum livro? Só arte é capaz de resgatar a emoção encobertada por tantos males que afetaram corpo, mente e coração.

 

Não é preciso que se dê uma overdose de arte, bastam pequenas pílulas a ca-da dia, que aos poucos, as pessoas começarão á sentir os efeitos regeneradores que a arte provoca. A arte faz com que as pessoas parem por um segundo e esqueçam dos seus problemas, das suas angústias, das suas dores, dos seus males, e, assim, gota a gota, dia a dia, aos poucos, elas vão recuperando a alegria de viver.

 

Sei que não é fácil, portanto, o tratamento deve ser contínuo para que seu efeito seja duradouro. Eu mesmo confesso, a vida atribula, por vezes, me entrelaça em suas redes e sou acometido de todos os males da vida moderna, mas, mais do que depressa, vou procurar uma boa dose de arte para me devolver o poder de me emocionar, de me comover, de entender o quão é difícil a tarefa de ser um “Ser Humano” nos tempos de hoje. 

 

Quem duvidar que a arte tem mesmo esse poder, pode experimentar uma dose de qualquer uma delas. Aposto que se surpreenderá com a eficácia do tratamento e não demorará muito para sentir os efeitos curativos da arte no seu dia-a-dia.

Nem toda idéia vira texto

É muito comum encontrarmos por aí entre aqueles que querem escrever para teatro, a impressão simplista de que basta uma idéia na cabeça para ter o melhor texto do planeta. Como escrever fosse racional, matemático e exato. Não basta seguir o manual, devemos nos apoiar nele, pois nem toda idéia vira texto. Difícil? Se o caminho das pedras fosse fácil, não haveria tantas pedras no caminho. Mas, vamos ao que interessa.

 

Digamos que a sua idéia seja realmente algo que valha a pena ser contada através de uma peça de teatro, para isso, precisaremos do elemento que moverá a sua idéia e, consequentemente, a sua história: o conflito. Se a sua idéia não gera um conflito, esqueça a peça de teatro. Teatro é a arte da ação e toda ação provoca outra reação e para uma ação reagir à outra, precisa-se de um conflito e não uma simples idéia.

 

Justamente por achar que uma simples idéia basta para se ter uma história é que muitos emperram no meio do processo, ou até mesmo concluem seus textos, mas não fazem dramaturgia, e sim, narrativa contista. Escrever para teatro vai muito além de uma simples idéia, pois tem que ser contado no tempo presente e tem de desaguar numa resolução para o dilema que tal história nos contou.

 

A idéia é apenas o ponto inicial de um processo longo e árduo. É um trabalho que vai demandar horas e horas até seu ponto final e, que muitas vezes, ou melhor, na maioria das vezes, nem é seu ponto final, pois sobre a nossa história ainda pairará a visão do diretor que montará o espetáculo e do ator que o interpretará. A impressão pode até ser simplista, mas a forma de fazer é por demais, complicada.

 

Penso que cada idéia deva servir de exercício para quem quer se iniciar na arte da dramaturgia, pois nada é novo, mas há de se ter a novidade, é o chamado: “fazer o mais do mesmo”. Por isso, mas do que se preocupar em colocar a sua idéia no papel, se preocupe primeiro em conhecer todas as técnicas e teorias de como conceber a chamada “carpintaria teatral”. Busque na sua idéia o que causa o conflito, aí sim se pode começar a pensar em escrever.  

 

O processo de escrever um texto para teatro é interminável e inesgotável, pois é através dele que se leva aos palcos, a vida em pequenas pílulas, contada em diálogos, mostrando os dramas, as emoções e as celeumas do Ser humano e a arte de transformar cada uma dessas histórias em um texto para teatral, jamais pode advir da impressão simplista de que basta uma idéia para se ter o melhor texto do planeta.

 

Escrever se aprende todo dia, praticando, observando comportamentos, situações e conflitos do cotidiano da vida de cada um. Na maioria das vezes, um simples fato corriqueiro ocorrido diante de nossos olhos, se transforma num texto que uma idéia jamais conseguiria imaginar. Idéia pode ser o início, ou fim de um texto, nunca o texto.

E a criança, como fica nesta história?

Hoje não está nada fácil escrever um texto infantil, se já não bastasse toda a complexidade que é contar uma história para os pequenos, um outro problema vem contribuindo para essa dificuldade, a questão do politicamente correto. Mas, qual o politicamente correto? O meu, o seu, ou o da criança? Será que a criança não direito de enfrentar as situações adversas? Alguém perguntou para criança o que ela acha tudo isso?

 

Esse zelo exacerbado que chega às raias da neurose, está tornando o ofício de escrever histórias para crianças algo quase mecânico, pois nada pode. A inocência da criança que brinca com as situações que ela vivencia, está sendo fortemente vigiada. E, se já não bastasse toda a violência urbana que acabou empurrando as crianças para dentro das casas, querem decidir o que a criança pode ou não pode assistir.

 

A onda do “bom-mocismo” que tomou conta do país acabou extrapolando e tornando situações que outrora eram naturais, quase proibitivas. O que seria de Maurício de Souza se tivesse criado nos dias de hoje, “A Turma da Mônica”? Chamar um menino de “Cebolinha”, um outro de “Cascão” e uma menina de “Gorducha” e “Dentuça”, lhe decretaria o fracasso, jamais se tornaria o sucesso que é nos dias de hoje. Como tudo na vida, o excesso de preocupação, acabou criando um monstro, e querem que fechemos as crianças em redomas de vidros, distantes de todo e qualquer mal.

 

Será que tal atitude está fazendo bem para as crianças? Como elas poderão discernir o que é certo ou errado? E como elas vão saber se isso ou aquilo é certo ou não, se estão limitadas a aceitar apenas o que lhes é imposto como politicamente correto diante dos olhos de alguns? A sociedade está escrevendo um texto infantil com uma lição de moral no final. Algo muito ruim para criação do cidadão de amanhã.

 

Quando penso em escrever algum texto, contar alguma história infantil, sinto até um frio na espinha, pois sei que certamente enfrentarei muitos problemas, porque pra mim, criança é criança e tem de ser respeitada como um consumidor da minha literatura e do meu teatro e sempre falarei para ela, olhando nos olhos dela, e usando a sua linguagem. A única coisa que faço questão é de que a criança tenha a sua impressão sobre o que escrevi. Ela que vai dizer o que é certo ou errado, e não eu! Eu apenas lhe mostrei as situações.

 

Preocupações com a violência, com a educação, com as drogas e com tudo mais que cerca o universo infantil nos dias de hoje, eu também tenho, pois sou pai. Mas não posso querer esconder das minhas filhas, algo que a vida por certo lhes mostrará. E pintar o mundo de cor-de-rosa, querendo que só o bem faça parte, é utopia. A vida é feita do bem e do mal.

 

Por que será que os vilões fazem tanto sucesso? Porque os vilões é que tornam os heróis, exemplos para criançada. Impedir, esconder, disfarçar todo mal que há no mundo, não vai livrar a criança dos problemas. O melhor é deixar que os autores, usem a sua criatividade, abusem do lúdico e falem a língua da criança, colocando no papel, as situações comuns às crianças. Ou será que as crianças de hoje não tem mais apelidos?

MUITO BARULHO POR TUDO

 

 

Coelho De Moraes

 

A capacidade de conviver com a diferença, - em teatro tem que ter muito disso, - mas, diga-se,  em teatro em não em vitrines religiosas ou exposições escolares medíocres, -  sem falar na capacidade de gostar dessa vida inconstante e bela, dessa fatia de tensão e gozo, e beneficiar-se dela, não são coisas fáceis de adquirir.

A capacidade de tentar é uma arte. Conseguir é outra situação. Ser reconhecido pela arte já é bem outra circunstancia e depende de subjetividades. Mas ser reconhecido: -  Por quem? Outras autoridades? Os mestres? O público que goza gratuito sem outra intenção do que ter o prazer de assistir a atriz ou o ator?  Ganhar dinheiro vendendo a arte? Muito dinheiro saído das burras governamentais ou pouco dinheiro das bilheterias? Ser reconhecido:  De que é que falamos, enfim?

Uma arte falida é uma arte que depende do apoio do governo, da mesma forma que Brecht teria dito que se precisarmos de herói estaremos perdidos... pobre o povo que precisa de heróis... pobre é o teatro que precisa do dinheiro governamental. Sim, pois, esse tal dinheiro governamental, por projeto ou por PAC, nada mais é que uma ditadura em ação. Pagar antecipadamente a bilheteria que a população não quer frequentar... desviar o dinheiro que a população pagaria para a obra que as pessoas não podem levar por si mesmas...  Se a obra que consegue recurso sobrevive por que não a outra? Por não ter o captador de recursos mais eficiente?

Toda arte requer estudo e exercício. O Teatro não deixa barato nesse campo. Mas pouca gente deste saite ou de outros praticam ou estudam a técnica adequada ou a escola possível. Periga repetir o mesmo erro ou descobrir a pólvora. A incapacidade de enfrentar a pluralidade de seres humanos e a ambivalência das decisões no palco ou na produção se perpetuam e reforçam os erros: quanto mais eficaz a tendência ao igual, - copiando o programinha da TV, - melhor será para a pobre mente não criativa.   Daí os projetos e os PACs.

O esforço para eliminar a diferença é a tônica dos grupos, afinal quem é que quer encarar o novo? O novo é assustador. Será, então,  tanto mais difícil sentir-se à vontade em presença de estranhos, - o público, o crítico, o observador, o hipnotizado, - tanto mais ameaçadora a diferença e tanto mais intensa a ansiedade que esta  gera.

O projeto de esconder-se atrás de máscaras e pinturas pode ser uma explicação para o adorno que vem acompanhando o teatro há milênios. Do impacto enervante da barulheira e multimídia urbana nos abrigos da conformidade, até a repetidora ânsia de ser igual aos modernos cosmopolitas que o caipira leva na  monotonia e repetitividade comunitárias de suas cidades,  é um projeto que se alimenta, mas que está fadado à derrota.

A derrota no sentido de que será cópia malfeita. Cópia industrializável. Cópia própria para consumo ou comercial. Nada a ver com arte.

Tribos teatrais: Proliferam e é positivo. Há que se multiplicar o amador. Será ideal rasgarmos o DRT que é um soutien da via crucis da ‘profissão’. Isso será ousar e cumprir caminho próprio. Ao contrário de outras identidades, a idéia de multiplicidade de tribos teatrais é carregada de peso positivo. Supõe casamento divino entre Dioniso e Orfeo,  que nenhum esforço na terra pode desmanchar, - laço de unidade que precede toda negociação e eventuais acordos sobre direitos e obrigações. Mas pode sugerir com o rompimento com o caminho profissional usual.  

A homogeneidade que marca as tribos é ilusória. Até se amalgamarem aos modelitos dos eixos centrais (Rio/São Paulo, por exemplo) as tribos teatrais continuam heterônomas: 1) como artefato humano, e certamente 2) como produto da geração de humanos criativos. Não surpreende, pois, que as tribos teatrais, mais que qualquer outra espécie de identidade, sejam a escolha quando se trata de fugir do assustador espaço polifônico onde "ninguém sabe falar com ninguém e pretende falar igual ao mestre"; o que as tribos pretendem, no primeiro momento, é escapar do "nicho seguro"; num segundo momento, quando aperta a bolsa em dividas e falta de apoios, pretendem seguir para onde "todos são parecidos com todos" - e onde, assim, há pouco sobre o que falar e a fala é fácil.

Surpreende que outras tribos teatrais, enquanto reivindicam seus "nichos na sociedade",  queiram tirar lasquinha da igualdade com certos pares; investem nas próprias raízes culturais, repensam as tradições, revivem a história compartilhada e projetam futuro comum; sua cultura separada e singular merece ser considerada "um valor em si mesma".

Resta que oremos, então, para que Dioniso e Orfeo ampliem o som de suas trombetas e liras para que as mentes do teatro vitrine e as tribos doutrinadas deixem de existir por simples e obrigatória falta de importância na questão teatral e na questão da criação do novo.

A (RE) CRIAÇÃO NO PALCO.

Coelho De Moraes

Primeiro lá se vão os valores da crença. Depois acredito que a civilização já se foi criada por acidente, num longo processo, e é, hoje, mundo artificial, em relação aos caminhos que natureza tomaria por si só. Daí que a fantasia humana de representar, re-apresentar, nada mais do que a cópia dos constantes DeVir. O teatro deve durar para sempre pois é reflexo do constante mudar da natureza. Sempre com a interveniência humana. Essa formação livre a partir de algum acidente ou acaso é que levou a civilização a ser o que é. O ser humano toma dessas informações e rearticula tudo no palco, na musica, na arquitetura, nas artes.

Mas estamos, como já disse,  num constante DeVir. A mutação articulada pelo fazer humano causa novas mudanças e tudo parece organizado em mudanças constantes. Porém surge o engano da manutenção do estado. Há reações, - os reacionários percebem que seu mundo mudou e não querem nada disso...  agem pois as mudanças são sempre diferenciáveis e causam problemas.

É isso o que nos faz individualizar. O reacionário é bandido, age em bando, é o adolescente da gangue, o reacionário é infantil, pueril. O que nos faz crescer, desenvolver e depois cair. Há processo nesse movimento. E ele se repete com todo mundo.

Contudo, a criação humana, dentro da civilização que lhe é prisão, visa tentar explicar o que deu errado nos primórdios quando os deuses eram nosso primos diretor e moravam ali na esquina. Dizem que houve época em que os deuses andavam conosco pela terra. O que é que deu errado? Somos muito chatos?  O mal estar imperante na civilização advém da constatação do tédio que causamos aos deuses? Outros dizem que os deuses nunca existiram. Nenhum deles e que não passam das máscaras com as quais o artista sobe ao palco. As formas artísticas são buscas desta correção. O produzir, criar e moldar são reflexos da imagem de um deus inexistente que um dia criamos.

Acredito que a catarse, ou o "caimento da ficha" Aristotélico pode até rolar numa platéia e dali a única coisa a ser produzida será a modificação daquela pessoa ou sua conduta dai em diante. Servirá o teatro para isso? É atividade educadora? Alarmista? Instigadora?

Para o artista no entanto, se este produz dentro fórmulas e rótulos não haverá catarse. Quando o novo advém,  será novo até para o criador, este tem que se emocionar com isso, sendo novo será inexplicável e será assombroso também para quem cria.

Alguns assuntos são sempre repetidos. Sobre essa coisa de sentir, por exemplo.  Tirando o fato de que sentimos o tempo todo pois somos matéria,  e é ela quem sente, tudo tem que passar pela estética (esthesis sensibilidade do corpo).  Manuel de Barro é poeta mas não fala de coisas das emoções como valores maiores. Para ele o que vale é a praticidade do objeto ou da funcionalidade da coisa. Para ele muito menos poesia é falar de rosa e muito mais é falar de alicate e borracha. Terá o teatro e o texto dramatúrgico caminho similar? Terá mele que nos dar constantes lições de moral ou também será ninho de disparidades e questionamentos coletivos? Será vitrine?

Penso também que nada criamos, apenas reciclamos as proposições e fazemos múltiplas releituras, daí as repetições de pensamentos, palavras e obras. Nada há de original em ‘fusions’, por exemplo, pois é pratica que se executa há milênios: misturar tendências, mas em graus pequenos ou quantidade conta gotas.

Muita vez a eclosão da iluminação já se deu em algum lugar há muito tempo mas o iluminado não tem acesso a mídias e passou despercebido. É uma questão lugar e oportunidade.

Acredito que criar sob os efeitos da civilização que já havíamos criado, ou pelo menos, participado da criação, da construção, mesmo sem saber... é chover no molhado ou no mínimo rever o que lá já está. É copiar o que já existe. Todo o aspecto da cultura é aspecto do campo artificial. A realidade é artificial. Nem tenho muita certeza de que somos seres conscientes pensantes ou apenas jogamos com os dados que nos foram dados. Quando pisamos o palco elaboramos trejeitos e mímicas. O mimo é a copia da aparência e não da profundidade: Stanislavisky pode ser deixado de lado?

O mundo das idéias e a questão do demiurgo, na minha pobre concepção, são apenas substitutos dos deuses do Olimpo, já por si rarefeitos. Uma espécie de recriação da mesma idéia com roupagem acessível ao governante que é apedeuta. Prefiro a proposta de que não há tal mundo de idéias nem  há modelo perfeito a ser seguido, mesmo por que tal pensamento foi capturado pelas hordas cristãs e transformado em céu e em inferno.

Fico com a proposta de Michel Onfray e da realidade como modelo único e a busca da perfeição um modo de superar a realidade. A cada peça uma proposta. Na mesma peça a mudança da proposta a cada dia.