UMA CRÍTICA SOBRE TROIA

por Coelho De Moraes

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DRT 45 365 - SP

Segundo os créditos, Tróia, o Filme, foi baseado na obra de Homero “A Ilíada”. Tróia é Ílion. Vemos que é um filme de baixo orçamento, e será classificado como Filme B. Diversão para a sessão da tarde. Filme simplório, dotado de texto básico e fútil, bem ao estilo Roliude., apesar de algumas mensagens (torpedos?) na direção do velho e falecido Bush, como quando Aquiles fala para Agamêmnon de que um dia viria em que os Reis lutariam, por si mesmos,  suas próprias guerras. Aplausos.

Não se encontra isso em Homero. E, o Peleu, falou de bobeira pois nunca vai acontecer. Já foi.

Meio faroeste é a cena em que Heitor manda que os exércitos levem seus mortos e o ajudante pergunta: “Será que fariam o mesmo conosco?”. A cara que Heitor faz – bom moço -  leva-me a pensar que poderia ter dito: “ E eu sei lá? Acho que não. Esses gregos são tão maus!”

As liberdades em relação à obra de Homero são várias e gritantes  e aborrecidas. O livro original tem tanta violência e sangue e aventura que já basta. Dá bem para um filme de aventuras e nesse sentido é perfeito – e para isso nem seria necessário que o autor se  servisse da obra do poeta cego. Inventaria uma outra, no mesmo molde e estilo,  como tantas já existentes. Talvez pretendesse uma justificativa intelectual para a obra. Mas, a cada canto – ou capítulo -  Homero também é chegado a ganchos, como nas novelas. Basta ler a epopéia.

Por que subtrair Cassandra – a profetisa – se ela tem mais “panache”, maior carisma, pela mocinha Briseida? Além disso Cassandra é a mulher que tem  tino para aconselhar que não levassem o tal cavalo para dentro da cidade. Quem, em sã consciência, vendo um cavalo de pau parado em frente à sua casa o pega e o leva para dentro, sem  mais nem menos?  E, olha que os Troianos achavam a Cassandra meio amalucada. Pagaram o pato, ou melhor, o equino.

Por que suprimir o sacrifício de Ifigênia – filha de Agamêmnon – sacrifício ordenado pelo próprio pai para aplacar a ira dos deuses e garantir vento para a gigantesca esquadra?  Se  mantivessem a cena do sacrifício, Agamêmnon se tornaria aos olhos do público já um  terrível e sanguinário general, elevando o grau de horror em relação à ele. E, todos torceríamos para que morresse no fim. Mas, Agamêmnon é muito respeitado pelos seus seguidores. Só não topa muito o Aquiles Peleu, rapaz independente e arisco. E eu me pergunto: “Agamêmnon? Pra que a pressa? Ílion não sairia do lugar, mesmo”. Seria melhor diminuir o número de batalhas ou mesmo a cena do  treino entre Aquiles e o íntimo primo e investir na cegueira política de Agamêmnon. Sugestões.

Tirante o salário do Brad Pitt, que foi alto, vemos que tudo foi filmado em locação, numa praia, no México, parece,  sem maiores adornos e construções, além daquele já ruinoso templo a Apolo. E templo em ruínas trem às pencas em Roliude. O resto – a multiplicação de soldados e as construções em imagens virtuais, provavelmente, é hoje,  produto muito barato na indústria cinematográfica americana. A maior parte do orçamento, com certeza, estava relacionada com o processo de distribuição e divulgação do Filme Tróia.

Um argumento usado pelos críticos era de que a ação se focalizava nos humanos, eliminando a participação dos deuses. Puro engano. Ledo e Ivo engano, como diria o mestre Millor. Os deuses, na Ilíada de Homero, são virtudes e qualidades que os humanos tomam para si  a cada momento. Nada mais. Hoje em dia fazemos o mesmo quando dizemos: “Ele escapou do acidente por um triz. Graças a São Cristóvão, nada lhe aconteceu!”. Da mesma forma os gregos já o faziam. Quando Paris – também chamado de divino Alexandre -  luta com Menelau, filho de Atreu e aluno de Apolo, Menelau o toma pelo capacete e o rapaz escapa por que a fita de couro arrebenta. No texto de Homero aparece como se Atena arrebentasse a tal fita. Providencial. “Graças a Atena!”

Como ninguém acreditaria que Aquiles – o de pés rápidos, pois  corria muito - morreu com uma flechada no calcanhar. Arranjaram um jeito de encher o peito do herói com outras flechas, deixando de lado o fato de que Aquiles só era mortal no calcanhar por causa da proteção recebida dos deuses, durante um banho numa fonte sagrada. A culpa foi da mãe, que o segurou pelo calcanhar, enquanto o banhava. E que azar do rapaz me tomar a flechada fatal justo ali. Esses deuses! Esses banhos sagrados! Essas mães!

Para a façanha da flechada trouxeram Paris - o antigo elfo do Senhor dos Anéis – já tarimbado nessas lides de arco e flecha para desferir o tal dardo letal que ninguém sabe mesmo de onde veio. Veio de alhures.

Não contente com o resultado, o roteirista do filme elimina Agamêmnon no final, como se fosse um pobre rei babão qualquer,  quando tenta agarrar a mocinha. Acontece que com esse “grand finale” o diretor de Tróia extermina com o resto da mitologia e, por conseguinte,  das obras para o Teatro Grego que viriam em seguida. Sim, pois, no original Agamêmnon vence Tróia e retorna para suas terras, leva consigo Cassandra como espolio de guerra, e, lá, ele será, então, assassinado pela sua esposa infiel e o fiel amante da esposa, Egisto. Ela, vingando a morte da filha Ifigênia, e, o outro pegando carona no poder. Para vingar essa morte do pai – não a do filme – Orestes, o outro filho,  retorna do exílio, e por aí vai, pois já é outra história.

O filme é fraco. Uma aventura fraca. A música é chupada de Shostakovitch e ainda lembra o tema dos Thundercats. O texto é banal e tem coisas do tipo “Vamos fugir juntos de Tróia, meu amor”. Só faltava dizer: “... e fundar Roma, logo ali depois do morro”.

Da mesma forma, as cenas de nudez – veladas por sombras e noites -  são inúteis e podem estar ali como não. Tão rápidas e furtivas que os atores levaram mais tempo tirando a roupa do que gravando. A bunda da loira Helena aparece em close. Aliás, Helena é um caso aparte. A mulher foi seqüestrada várias vezes por pessoas diferentes. Além disso, dizem, ela já beirava os 40 nessa época e levou consigo dois filhos. Vai ser linda assim lá longe... lá em Esparta.

Na verdade, ou no sonho de Homero – a  guerra de Tróia não dura dois dias. Dura dez anos, e, aquilo que vemos na telona corresponde ao resumo do  décimo ano da guerra. Esse longo tempo é dramático, em si mesmo,  onde teremos sítio, fome, doenças, desesperos, saudades da terra natal, referência ao que seria a primeira Olimpíada, e outras emoções que não passaram pela óptica dos autores de Tróia, o filme. Mas obra comercial é assim mesmo.

Há que se sublinhar a inexistência da Grécia, naquele tempo. Temos sim uma Liga do Peloponeso. Temos atreus, argivos, micenos, beócios, helenos, argólidas,  espartanos e outros tantos juntos numa Liga ou até mesmo fora dela. Dizer, apenas,  Grécia,  fica mais fácil?

Tróia é um filme de puro senso comercial, sem nenhuma pretensão de outra coisa a não ser divertir. Perderam, no entanto,  a oportunidade de divertir e informar (recontar, rever), sem perder a mão e nem o sangue espirrado. Um paralelo positivo foi Brave Heart  - Coração Valente – também na linha da lenda e da história; maior conteúdo veraz, apesar da mortandade nas guerras. Alguns atores estiveram nos dois filmes. Talvez sejam especializados em filmes épico-sanguínolentos. Quiçá.

A trilha sonora de Brave Heart é muito mais lírica, baseada em temas celtas, além de muito mais pujante. A de Tróia chama atenção a melodia do canto, logo no início, muito inspirada nas 18 vozes Búlgaras e nada mais.

Os produtores perderam o foco. Fora de foco já basta a nossa consciência.