Violência

De um ato de violência surge o quê? Um grito. Uma dor profunda e nauseante. E o sorriso da esperança. Parir é um ato de violência. Eis que surge a vida manifesta em sons de choro e promessas de porvir. Contraditório. Paradoxal. Fato.

Devaneio ainda sobre o que ouvi em longinguos dias atrás. Garcia-Roza: o ato de criação é um estupro! Sim. O ato em si de criar não é uma coisa bela, harmonica, delicada. É antes um estupro consumado. O calor que brota das entranhas do indivído que vomita… Não necessáriamente seus demônios, mas certamente os diabos de algum inferno próximo e circundante. O que é o ato de criação?! Deus sentiu dor quando pariu o universo? Van Gogh chorou desespero quando pintou seus tristes girassóis, Andrade calou enraivecido quando fez surgir Macunaíma… Não, que a dor que penso que sentiram é mais um prazer luxuriante do que um ferir de carne tenra… Todo estupro é antes de tudo um ato de prazer, um desejo ilícito consumado, o rompimento de uma regra… A criação é talvez a melhor forma de subversão da ordem, já que de sua desordem surge uma outra coisa ordenada… Paradoxal. Ilógico. Delirante.

O novo é violência porque está sempre em situação de tensão em relação ao que é velho. O drama é violência porque depende do choque de forças para fazer a ação caminhar. O artista é violência porque diz coisas que ninguém gostaria de ouvir. Ou pelo menos deveria. Sentir esse movimento de inquietação e desconforto diante de uma realidade ou uma situação. A entranha queimando, a víscera bradando que existe outro gesto, outro desejo… existe outra maneira de viver. O ato de criação é um estupro. Uma violência calculada para surgir escombros belos… e outras construções mais belas ainda… Ainda assim um ato de destruição… Até que ponto isso tudo é verdade. As vezes, a arte sorri cinicamente.