Porque eu fiz. Porque eu faço. Porque eu sempre farei

Sabe quando numa semana, mais de 3 pessoas te perguntam a mesma coisa? Aconteceu comigo. Esta semana.
A pergunta foi exatamente a mesma: “Tati, porque você ainda faz teatro”?

E eu respondia com frases enormes, num diálogo solitário. Um diálogo solitário podia ser melhor expresso como um monólogo, é bem verdade. Então, aqui está:Porque eu fiz. Porque faço. E porque sempre farei.
* Porque eu sempre quis fazer teatro mesmo quando todos na minha casa faltavam infartar coletivamente.
* Porque um dia, o Barbudo lá de Cima colocou uma mulher chamada Monica Lopez em minha vida e ela me deixou fazer meu primeiro teste profissional. E porque ela me aprovou mesmo eu não
tendo nenhuma experiência que fosse motivo pra ela me dar o papel na peça que dirigia.
* Porque a Monica brigava tanto comigo, gritava tanto quando eu fazia questão de bancar a rebelde, que aprendi a ser disciplinada, dedicada e correta.
* Porque depois quase 1 ano trabalhando com a Monica fui chamada para fazer outra peça. E essa, apesar de ter sido um fracasso de público, a crítica adorou.
* Porque o teatro aguçou meus sentidos, me fez entender minhas emoções e porque compreendi como é importante despir-se. Não da roupa. Dos preconceitos, dos preceitos, das chatices, das frescuras, das manhas. Ator manhoso é o caralho. Quem me ensinou foi o teatro. E a Monica.
* Porque eu sempre quis ser diferente e na minha família, tirando um tio, não havia artistas. Nem plásticos, músicos e menos ainda atores. E eu queria ser subservisa. Eu sempre fui subversiva.
Haja mãe pra aguentar tanta subversão!
* Porque elaboarei mais minha escrita, passei a observar as pessoas na Av paulista, no shopping Iguatemi, nos redutos boêmios e nos lugares dos boyzinhos. Tudo porque compor um
personagem requer observação e inspiração.
* Porque adorei chamar atenção, porque fui uma criança exibicionista e porque durante parte da minha infância eu queria de qualquer jeito chegar perto de uns monstros que carregavam os seguintes nomes: Tarcisio, Tony e Gloria.
* Porque não posso pensar em morrer minguada da ausência.
* Porque sou uma viciada incorrigível de:
- aplausos, primeiro sinal, segundo sinal, terceiro sinal;
- textos, decorebas e cacos
- técnica, bilheteria, gente, gente, gente.
* Porque senti emoções indescritíveis vivendo Emily de “Nossa Cidade”, minha primeira protagonista numa peça de Thorton Wilde. Linda de viver, falando de morte, de amor, das coisas simples da vida.
* Porque para fazer Emily eu tive que aprender a usar um figurino de época; fechar a perna pra sentar de saia (nunca fui uma menininha delicada e por isso, as saias eram raras no meu armário assim como os vestidos); ser uma criança que nasceu no interior dos EUA em 1902; porque Emily era emoção pura, porque Emily casava-se com seu único e grande amor, o primeiro namorado, o primeiro amigo. Porque Emily morria antes do seu amor e antes de terminar de criar seus filhos. Porque Emily foi uma grande coisa em
minha vida.
* Porque quando encenei “Mogli, o menino Lobo” - de novo pelas mãos da Monica - as crianças odiavam minha personagem; choravam quando me viam saindo do teatro ainda vestida de Dona Cascavel; porque Dona Casca me exigiu uma expressão corporal que eu não tinha e adquiri, graças a ensaios extras com a Monica (de novo ela!);
* Porque eu amo o contato com o público, amo o contato com a técnica teatral, amo o contato com a prática teatral;
* Porque eu adoro ensaios, a respiração do teatro, o cheiro do teatro, a cor dele.
* Porque sou fascinada pelas cadeiras, pela acústica, pela rápid troca de roupa.
* Faço porque amo.Fiz, faço e sempre farei.


Beijo a todos,
Tati
taticavalcanti@uol.com.br
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