O que acontece comigo (e imagino que, com todo mundo) na estréia

Eu sempre fico com medo na verdade.
Um medo bom, um vício paranóico de achar que tudo vai dar errado mesmo depois de tanto estudo, pesquisa e ensaio. Um frio na barriga do qual sou definitivamente dependente. Aquela coisa de não dormir uma noite antes, de ter medo de esquecer marcação, texto, blá blá.
Depois que me descobri atriz e que me disseram por aí que era dotada do mínimo do talento necessário pra subir num palco, não consegui mais não ser artista. É um troço visceral, tipo respiração. Eu sonho com teatro, com coxia, com elenco, com comida de rabo da direção. Eu sonho muito com o terceiro sinal tocando até me ensurdecer. E depois de surda, tudo dá errado, naturalmente.

A estréia é sempre assim. Me dá medo, tesão, paixão e uma adrenalina que eu não costumo sentir com qualquer aventura.

Ah!, eu maluca confessa, atriz de nascença, marketeira por necessidade, sempre tive uma ligação forte com o teatro. Forte mesmo. Tipo relação entre pais e filhos. Eu me sinto filha do teatro e tive a sorte de encontrar uma diretora, Monica Lopez, que me ensinou tudo que sei e me aprovou no terceiro teste que fiz na vida.A minha ansiedade e intimidade com o palco é tão séria que me leva a cometer determinados atos falhos. No dia da estréia, lá vou eu no palco, quando todos estão se arrumando, se maquiando, se controlando pra não enlouquecer e faço um furinho imperceptível na cortina pra ver o público: se a maioria é novo, velho, casal, solteiro… (também já aconteceu de eu chegar pra execução do plano e ele já ter sido realizado. Por outro curioso desesperado). Furinho feito, menos medo do desconhecido, do que vou encontrar quando abrirem as cortinas e eu tiver que sair impostando a voz num grito de dor insuportável.

Agora passo pra fase da oração. Porque se não rezo, sempre acho que tudo vai ser uma merda e que o público e a crítica serão implacáveis conosco. Então rezo uma oração que inventei não sei quando, pedindo que os Deuses me abençoem e que eu possa fazer o melhor. Que o elenco esteja afinado, que o público animado e que tudo aconteça com a maior energia do Universo.

Ajoelho no palco, fico arrepiada e tenho certeza de que encontrei meu lugar no mundo. Sempre choro, sabia? E minha entrega à mágica transformadora do choro misturada com a mágica do teatro me permite chorar soluçando de felicidade. É fantástico.
Um choro de lavagem de alma, de sentir uma força bem maior que a gente, de um Universo de fantasia que sempre me deixa com a sensação de que esse e todos os outros mundos podem ser melhores.
Ah… como eu amo fazer teatro, como me fascino mais e mais mesmo tendo esbarrado em muitos obstáculos durante minha caminhada pela arte.

Tá bom vai, eu sei que quem ama não desisti… e…. sim, eu desisti! Mas nunca pra sempre. Desisti 4 vezes. E voltei sempre quando sentia estar ficando com a alma murcha e sem cor.
Exatamente. Teatro alimenta minha alma, me faz melhor, coloca meus desequilíbrios equilibrados, impede que eu perca a cabeça por qualquer bobagem, faz meu corpo mais leve.

Estou hoje, 24 de novembro de 2005, há exatos 2 anos sem subir num palco - por motivos óbvios, sabe? Tenho que pagar minhas
contas que não se sustentam com porcentagem de bilheteria, preciso ter uma rotina financeira que me assegure as noites de sono que tanto tenho adorado e sou dependente da segurança que o teatro não me deu. Dói horrores, eu odeio, eu viro um bicho sem fazer teatro. Renato que o diga. Renato que me incentivou. Que me mandou voltar.Cheguei no ponto máximo do meu limite. Estava murchinha, sem cor, sem o ritmo gostoso que o teatro dá pra minha vida e que
me fascina tanto.
Estou voltando … …. e como é bom voltar para casa….

Tati Cavalcanti

taticavalcanti@uol.com.br