Entre dramas e comédias

Todo dia a mesma rotina, maquiagem, figurino, primeiro sinal, segundo sinal, nervosismo, frio na barriga, terceiro sinal, as cortinas se abrindo... Parece uma vida comum de um cidadão comum, não é? Mas, não é! O que essa rotina tem de diferente? Uma mesma história, contada todos os dias, de um jeito diferente, por um cidadão que jamais será o mesmo.

 

É assim, entre dramas e comédias que o ator faz da rotina de uma apresentação algo sempre inovador, mesmo que às vezes ela lhe pareça cansativa, ao abrir as cortinas e o foco o encontrar em cena, aquilo que lhe poderia ser a mesmíssima rotina de todos os dias, se dissipa entre lágrimas e gargalhadas, desaguando num rio de aplausos.

 

Esta é verdadeiramente a missão de um ator: pegar os fatos comuns, de uma vida comum, passados com cidadãos comuns, descritos em formas de ação por um dramaturgo, levá-los ao palco e revirá-los, demonstrá-los, interpretando-os sempre de uma maneira singular, ao ponto de que se alguém for assistir todos os dias, sempre achará que está assistindo um espetáculo diferente.

 

Ator é poder representar a vida sob a ótica de todos os olhos, é poder experimentar todas as possibilidades de sentimentos e emoções, é poder deslumbrar sobre todos os pontos de vistas possíveis e inimagináveis, é poder esgotar todas as sensações entre o riso e a comoção, transformando todos os dias, as mesmas situações que a mesma história rotineira não é capaz de mostrar.

 

É sobre o palco, através da arte de interpretar, que a vida deixa de ser comum e rotineira. É através da rotina das apresentações encenadas dia e noite que o ator nos permite experimentar a possibilidade de poder ver a mesma história de mil e uma possibilidades, enxergando algo que os olhos nus, de cidadão comum não são capazes de ver.

 

Vivendo no palco os dramas e as comédias, externando os nossos medos, os nossos anseios, desvendando nossas mentiras, desfazendo nossas verdades absolutas, violando nossos segredos, desmascarando nossas vidinhas comuns, nossa pequenez humana, nosso egocentrismo, nossa vaidade, nossa felicidade, assim é a vida do ator, sobre o palco, retratando a rotina dos mortais.

 

Pena que muitos, entorpecidos pelo poder de fazer da vida algo diferente a cada interpretação, acham-se semideuses e colocam tudo a perder, colocando as próprias vidas no mesmo patamar da vida comum, de um cidadão comum, que vive sempre a mesma história.