Luz, Câmera e (decep)Ação

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   Eu gosto de enlatados. Claro que não é legal pra saúde. Sabe como é, toda aquela química faz alguns estragos. Amarela os dentes, entope as veias, envenena as tripas etc e mais alguma coisa. Resumindo. Um simples enlatado pode te levar mais rápido pro cemitério. Mas que o negócio é danado de bom, ah isso é! Assim, encontro-me numa dúvida cruel. São duas da madrugada. Estou com uma baita fome. Seguro uma lata de quitute. Na embalagem vem “derivados de carne”. A informação me deixa curioso. O que seriam “derivados de carne”??? Seria carne, carne mesmo? Ou o quê? Virando a lata, em letras miúdas, aparece a relação dos “derivados”. O primeiro, miúdos de galinha. Quer dizer que essa joça nem de boi é! E pra falar a verdade, miúdo de galinha é tudo aquilo que a gente come da galinha, tirando a pena. Obviamente, que também tirando a carne. Então, sobram outros trecos. O segundo “derivado” é miúdo de porco. Deve ser a orelha, o bucho, o focinho... Ah, e não podemos esquecer o rabo! O rabo do porco é tudo. Do terceiro “derivado” em diante, já não tenho coragem de ler. Melhor mesmo ficar na fantasia de que o restante da lista é só filé mignon. Ou a fome vai pro beleléu.

 

   Você bem que deve estar se perguntando por que não deixo essa lata dos horrores de lado. É, eu posso. Mas tem um grande problema. Eu não quero. Lá na cozinha, tem sopa de ervilhas, daquelas que vem o pó no saquinho. Ervilhas fresquinhas, segundo a fabricante. Bem, pelo menos um dia elas foram assim. São três minutos pra fazer a gororoba esverdeada. Quer saber? É tempo demais. O preparo também exige uma operação bastante complicada. Botar água na panela e esperar ferver. Sem levar em conta que daqui pra cozinha são quatro metros. Meu condicionamento físico não permite andar uma distância tão grande. Vou ficar mesmo como o meu quitute. Rabo de porco com couro de galinha.

 

    Taí, enlatado é assim mesmo. Prático, rápido e de conteúdo duvidoso. Interessante que do quitute pro cinema, não é tão diferente. Filmes enlatados são feitos de muita porcaria. Os principais “derivados” são preconceito, violência, discriminação, idiotice e uma pitada de mau gosto. O Governo bem que poderia botar, atrás de cada DVD, a mensagem “ O Ministério da Saúde adverte, assistir a esse bagulho faz mal à saúde”. Saúde mental. E também a saúde física. Quer saber por quê? Um exemplo pessoal. Eu nunca me esqueci do Rambo: A Missão. Sim, eu confesso. Um dia eu vi essa lástima! Silvéster Stalone fez a minha cabeça e de toda a rapaziada transbordando de testosterona. Na época, a gente também queria ter uma bazuca e acertar definitivamente as contas com o professor de Matemática. Raiz quadrado e galho redondo não seriam mais problema. O pior é que ver um brutamontes com aquela ridícula fitinha vermelho na testa, matando todo mundo, até parecia divertido. A gente não tinha muita cabeça pra contestar tamanha insanidade. Toda aquela matança gratuita e ideológica. Trá-trá-trá-pou-pou-pou-cabuuum!

 

   Por isso, me entristece não ter constado Filosofia na grade escolar. Sócrates e outras mentes pensantes poderiam ter nos ajudado a indagar por que o Stalone não procurava dialogar mais e atirar menos. Felizmente, não levamos seu péssimo exemplo tão a sério. Mas os massacres de estudantes por estudantes que frequentemente ocorrem nos Estados Unidos servem de alerta de que a cultura da agressão volta contra a própria sociedade que a cultiva. Rambo foi só um exemplo do passado, entre tantos que afloram no presente. Há superproduções caríssimas com conteúdo paupérrimo. E por não ter o que realmente dizer de interessante, apelam pra todo um arsenal de cretinices. Para mim, os filmes bons são cada vez mais raridade. E pouco importa dizer que tal película já levou zilhões de pessoas ao cinema. Quantidade nem sempre se traduz em qualidade. É das grandes manadas a preferência por saborear capim.