Quando se atinge certo nível de excelência naquilo que se faz, as pessoas costumam se acomodar sobre alguns louros de vitórias passadas, e passam achar que conquistas de outrora, respaldam eventuais fracassos. Puro engano. Em qualquer profissão, ninguém é dono da verdade. E quando se trata de arte, a arrogância de se achar superior pode ser devastadora.
Não se pode achar que, atingindo certo patamar, a pessoa está dispensada de continuar lendo, estudando, se reciclando, que tudo o que aprendeu e já fez, são garantias plenas de novos e vencedores trabalhos, porque não é assim. O pior é que alguns pensam que sim, pois se acham donos da verdade. E a idéia de reciclar jamais lhes vem à cabeça.
A troca de experiência entre que está no palco há anos com aqueles que pisam em um palco pela primeira vez, tem efeito renovador e é capaz de sacudir a poeira daquelas teorias ultrapassadas, resgatando por vezes, um entusiasmo que outrora contagiava e que hoje apenas se mostra satisfatório. Não importa quantos anos você faz o que faz, pois nunca saberá o bastante.
A experiência do exercício de anos de profissão apenas nos mostra o caminho, mas o aprendizado tem de ser constante. Com cinco, dez, vinte ou trinta anos de profissão, com um, dois, dez prêmios, com dez, vinte, cinqüenta trabalhos, sempre é tempo de se reciclar, até mesmo para não correr o risco de se repetir e repetir os erros de outros trabalhos.
Pode parecer um assunto repetitivo, talvez até seja, mas cada artigo escrito é um aprendizado novo, são idéias que estão sendo recicladas e opiniões que foram renovadas por trocas de experiências que a vida nos oferece. E assim é em cada profissão, revendo, ouvindo, reconhecendo os erros, admitindo as deficiências e trabalhando o que se tem de melhor, que conseguimos nos preparar para melhora sempre.
E o principal ponto que deve nortear a vida de quem quer estar sempre fazendo um bom trabalho e sendo lembrado pelo que faz, é ter a consciência de que nunca se sabe o suficiente, mesmo que muitos achem que você sabe. Está aberto ao novo e reconhecer que velhas teorias não fazem mais sentido para o trabalho que se quer realizar, só contribui para a evolução e para a excelência de cada novo trabalho.
Reconhecer que você já não rende mais o quanto podia render e entender que você não sabe o tanto quanto achava que sabia são os primeiros sinais que mostram que você não é o dono da verdade. Agindo assim, você estará preparado para receber eventuais críticas, sejam ela construtivas ou não.
Está decretado desde sei lá quando, que os artistas ficarão passivos diante de qualquer situação. Não caberá mais ao artista, ser a voz de protesto, a voz da indignação, a voz da discórdia, a voz da provocação. Não será permitido ao artista, que ele mostre ao povo o que acontece nos porões do poder, que ele fale em escândalos, corrupções ou favorecimentos. A arte deve ser entretenimento, e só!
Está decretado desde sei lá quando, que os artistas só poderão usar o humor como forma de manifestação, e mesmo assim, com certas ressalvas. Não caberá mais ao artista, simular, mesmo que de forma humorística, falcatruas, negociatas, dinheiros em meias, cuecas, sutiãs e demais peças íntimas femininas e masculinas. A arte tem de falar de arte, e só!
Está decretada desde sei lá quando, que os artistas não poderão mais ter idéias sobre qualquer assunto ligado aos porões do poder. Não será permitido ao artista, músicas de protestos, músicas que incitem a população e que denigram a ilibada e imaculada figura dos homens e mulheres públicos deste país. Música, apenas jingles de campanhas, e só!
Está decretada desde sei lá quando, que a passividade dos artistas ora instituída, se tornará condição fundamental para se militar nas áreas da cultura. Só caberá ao artista, sob pena de grave censura e demais penalidades, contar histórias de amor sem cunho político, histórias de humor sem cunho político, qualquer história que for, mas sem nenhum cunho político.
Está decretada desde sei lá quando, que os artistas, sejam eles da literatura, da pintura, da música, da dança, das artes visuais, só poderão falar do abstrato, pintar o abstrato, cantar o abstrato, dançar o abstrato, filmar o abstrato. Ao artista está vedado o uso de sua criatividade, de sua ousadia, o seu protesto, a sua provocação. O artista passivo é melhor para todas as artes.
Está decretada desde sei lá quando, que os artistas perderam a força, talvez por receio de represálias, ou realmente pela passividade artística adquirida, diante de tantos absurdos, ou ainda pelo simples desânimo de ver que nada parece ter solução. Não parece mais, pelo menos aos olhos do artista, usar a arte como um instrumento de informação à população, nem ser a voz que ecoa e ressoa a angústia por tanta impunidade. O artista já não mais contesta.
A passividade que outrora se restringia apenas à população, descrente por um país melhor, parece ter contaminado de vez todos os artistas, seja lá a forma pela qual esse artista se manifesta. Pois a arte está calada em meio a tantos e tantos e outros tantos escândalos, demonstrações de impunidades, de atos ilegais, de falta de ética e de lisura e honestidade.
Que o artista quebre essa passividade e volte a fazer da arte, a voz da indignação, a voz da discórdia, a voz da provocação. Que o artista escancare, des-mascare e demonstre à população, que a passividade é arma dos desonestos e dos aproveitadores. Enfim, que o artista volte a ser o que sempre foi.
Não existe nada mais desagradável, pelo menos para mim, do que assistir um espetáculo e perceber aquele ator bem canastrão em cena. Caras e bocas, trejeitos e sei lá o que, tudo para dar o tom certo ao personagem, mas nada adianta, nem mesmo o tal talento que o ator pretensiosamente acha ter, é capaz de nos convencer, pois fica nítido que faltou algo: A preparação do ator.
Não falo apenas dos ensaios necessários para a composição do personagem, da marcação de cena, da luz e da concepção geral do espetáculo. Falo da voz, da expressão facial e corporal, das emoções de todas as técnicas de interpretação necessárias para o ofício de ator. Pois, é tudo isso que vai lapidar um precioso talento ainda em estado bruto.
Achar que decorar o texto, saber as marcações e fazer caretas em cena é o suficiente para estar sobre um palco, não leva ninguém a lugar nenhum, só o coloca na alça de mira. Teatro é a arte de iludir e não a de enganar. Aliás, engane-se aquele que pensa ser um ator agindo desta maneira. A preparação do ator é de fundamental importância para o sucesso do espetáculo. E esse tem de ser um compromisso que o ator deve ter com o público.
Não sei se é uma impressão minha, mas tenho sentido a falta de um cuidado maior na preparação do ator, parece que trabalhar o ator passou a ser algo “démodé”. Ensinam meia dúzia de teorias, obrigam a ler meia dúzia de textos e deixam para o ator que tiver talento e uma força de vontade a mais do que os outros, fazer a diferença. Só que não é todo ator que tem talento e força de vontade para tanto. E o resultado, ás vezes é desastroso.
A idéia do espetáculo como um todo tem prevalecido, pelo menos é o que percebo nas apresentações que tenho visto. Fica claro uma preocupação, ás vezes até exacerbada com o resultado do espetáculo, e até as questões de cenário e figurino ganham uma importância maior do que o trabalho de ator. Sempre o que vem em primeiro plano é o espetáculo em si. Difícil ter notícias de alguém dizer: - Estou me preparando para fazer tal papel. O usual é dizer que se está ensaiando uma peça.
É claro que não se pode generalizar, pois deve haver em algum canto, seja em um grupo amador, em escola de teatro, na obstinação de algum diretor, ou sei lá aonde, alguém mais preocupado com o ator do que com o espetáculo. Apenas acho uma pena que isso não seja o exemplo e sim a exceção. Pois de nada adianta ter um bom texto, um bom figurino, um bom cenário, uma boa concepção de espetáculo, se o ator em cena não passa de um canastrão.
Só a formação do ator com bases em exercícios e teorias não basta, para que uma interpretação seja realmente um sucesso, além de toda base necessária, há de se ter a preocupação de uma preparação específica para cada papel que se vai interpretar, pois, afinal de contas, um bom e velho diretor de ator não faz mal a ninguém.
Está aí uma combinação que quando bem usada se torna imbatível, mas não é sempre que esta combinação é usada para o bem do público. Hoje em dia, aliás, é muito rara. A baixa qualidade nos programas da televisão brasileira é assustadora. Você não consegue ver mais do que um ou dois programas que realmente valha a pena. Engraçado, a força do dinheiro tem gerado cada vez mais programas de má qualidade ao invés de ser justamente ao contrário.
É pegadinha pra cá, é bisbilhotice pra lá, é exposição do corpo feminino para acolá, e tudo bem financiado, pois anunciantes não faltam em programas que exibem estes conteúdos. Será que o dinheiro está tão fácil que tanto faz se o programa tem ou não qualidade? Ou o que vale é dinheiro em caixa e o público que se exploda?
Isso tudo chega a ser até um paradoxo, pois o anunciante patrocina o programa pensando no retorno financeiro que vai ter com a exposição de sua marca e com tanto programa de má qualidade atrelado a sua marca pode lhe causar efeito contrário. Ou será que a exigência é minha? Parece que dinheiro já não mais combina com qualidade.
Alguns programas, apesar de tamanha má qualidade, apresentam um número considerável de espectadores, fator este que faz com que os anunciantes continuem a atrelar suas marcas à estes programas, com ou sem qualidade. O que interessa é o lucro que o dinheiro vai proporcionar. Empurra-se qualquer coisa, pois o público está disposto a comprar. Acho que o conceito do que é bom e de qualidade mudou um pouco.
Chega ser uma pena ver tanto dinheiro desperdiçado em programas com tanta falta de qualidade. E saber que muitos projetos de boa qualidade se perdem no caminho por falta de verba. Mas, dizer que as TV’s estão erradas, não dá. Isso é “business”. E enquanto tiver público disposto a assistir qualquer porcaria e, anunciantes dispostos a patrocinar tais programas, faz-se qualquer coisa e se contabiliza os lucros, pois, quanto menor o custo de produção, maior o ganho da emissora.
Portanto, é de se concluir que o público consumidor de programas de TV é o retrato de um povo acomodado com a situação, seja ela em relação a sua vida, a política, ou aos programas de TV. Uns até contestam, outros até falam mal, mas acabam sempre se conformando. Já que não se tem outra coisa pra ver, qualquer coisa serve.
E o dinheiro que bem combinado com a qualidade pode produzir tanta coisa boa, ás vezes até mesmo mais econômicas que muitas coisas feitas em certos programas de conteúdo de qualidade sofrível, vai servindo apenas para gerar lucros para quem produz e para quem anuncia, pois para o comprador, serve-se qualquer coisa que ele compra mesmo. Isso sim é um grande desperdício.
Diante de tanta falta de respeito com o semelhante, dos interesses individuais se sobrepondo ao coletivo, da indiferença dos privilegiados frente às mazelas da vida, da falta de ética, da indecência, da honestidade, em meio a um mar de impunidade e tudo mais que é noticiado diariamente nos jornais, rádios, televisões, portais da internet, etc, só a arte para clarear as idéias e abrir os olhos de quem se permite enxergar.
É através da arte que uns poucos inconformados manifestam sua indignação, levantam questionamentos, provocam, estimulam o pensamento, injetam cultura, para quem sabe um dia, todos possamos compartilhar um quadro diferente do que se apresenta hoje em dia. A arte não é apenas uma ilusão passageira, ela é o espelho que reflete o que há de melhor e de pior no Ser humano.
Quem acredita que arte não passa de uma simples ilusão, de uma forma lúdica para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia, ou apenas um caminho de fuga que alguns usam para não se depararem com a realidade desesperadora em que vivem, talvez não saiba o bem que faz se permitir iludir e descobrir o quão pequeno se é diante das verdades que a arte nos escancara.
Permitir-se a ilusão que a arte nos oferece, não significa se alienar aos proble-mas, ou se fechar em um mundo de felicidades, onde o pior do Ser humano fica atrás das cortinas, ao final de cada espetáculo. É enxergar os defeitos e virtudes do semelhante, se indignar com os privilegiados frente às mazelas da vida, com a falta de ética e da decência, procurando caminhos que revigore a sociedade para lutar contra a impunidade e a injustiça.
A arte é o maior instrumento desenvolvido pelo Ser humano para escancarar a si mesmo. Muito mais que uma simples ilusão como alguns assim a julgam, a arte faz a ponte entre a consciência e a inconsciência, entre a emoção e a razão, entre a verdade e a mentira, entre o drama e o humor, entre a justiça e a injustiça e faz o Ser humano ser bem mais preparado para enfrentar os problemas que assolam à todos, até aqueles que vêem a arte apenas como uma simples ilusão.
Reconhecer-se sobre um palco ou absorver o que nele é apresentado, é a melhor coisa que pode acontecer com um Ser humano, pois deixar-se iludir diante ao que acontece por intermédio da arte, transforma a vida e nos arregala os olhos para enxergar o que há de bom e mal nas entranhas de todos nós. Quisera todos se deixassem levar por essa ilusão.
Está certo que de nada vai adiantar se apenas deixarmo-nos permanecer na ilusão, precisamos subverter as imagens que nos absorveu por algumas horas para reverter o quadro em que vivemos, onde o que interessa é a idéia que prega: “enquanto não for comigo, não tenho nada a ver com isso!” Façamos da arte, uma arma contra o conformismo.