Artigos Diversos

Paulo Autran

Esse grande ator morreu aos 85 anos de idade, no dia 12 de outubro de 2007.

A morte sempre entristece aqueles que ficam. E é particularmente triste para uma classe quando um de seus símbolos morre. E Paulo Autran era um símbolo do teatro brasileiro.

Mesmo fazendo cinema e televisão, com trabalhos memoráveis em ambos, foi no teatro que Autran mais trabalhou e foi onde construiu toda uma reputação.

Para minha infelicidade, nunca pude vê-lo no palco. E também por isso não tenho tanta propriedade para falar dele. Mas minha tristeza fica e mesmo sem grandes palavras, creio que algumas palavras são o que posso oferecer em memória dessa luz que se apaga nos palcos.

Que fique o exemplo desse talento que nos encantou durante décadas e que as gerações vindouras preservem a memória de Paulo Autran.

Até depois.

O Limite da Mediocridade Alcançada

Eu gostaria de saber o que acontece com determinados “atores”. O que querem afinal? Ser ator ou ser famoso? Ser ator é uma coisa e ser famoso é outra, completamente diferente.

É fácil ficar famoso. Olhem os mandamentos abaixo
1. Tenha um corpo sarado e um rostinho angelical.
2. Seja fútil.
3. Não precisa saber falar corretamente o português.
4. Ande por aí sem calcinha.
5. Tenha muita grana.
6. Se inscreva no “Big Brother“.
7. Se conseguir entrar naquela merda, pode ter certeza que ao sair de lá, você imediatamente pousará no Paparazzo, Playboy ou G Magazine, em fotos sensuais.
8. Posteriormente entrará num programa humorístico de péssima qualidade ou ganhará um papel de coadjuvante numa novela do horário nobre, mesmo sem ser capacitado para isso.
9. Pra que ser capacitado, se você pode ser namorada(o) de algum diretor conceituado? Pode ter certeza que ele irá te escalar pra sua próxima novela.
10. Se não conseguir nada disso, faça um filme pornô. Muitos artistas começaram assim.

Siga corretamente essas dicas que, mais cedo ou mais tarde, você será uma celebridade. Eu lhe garanto.Mas tome cuidado. Depois de um tempo, essas celebridades instantâneas entram em órbita, caem no esquecimento e nunca mais ouve-se falar nelas.

Agora, entrarei num assunto que realmente me interessa. Ser ator. Não existe dez mandamentos para ser um bom ator. Existe muito mais. É uma profissão extremamente complexa.

Antes de se desenvolver como ator, você tem que se desenvolver como ser humano. Como você vai interpretar, Hamlet ou Ofélia, se a sua alma é muito inferior à desses personagens? Se o seu ego é maior que a sua humildade e generosidade? Se você procura contato com a platéia apenas por egocentrismo e vaidade? Se ama VOCÊ no TEATRO e não o TEATRO em VOCÊ?

Tenho certeza que muitos artistas não sabem o que estão fazendo quando estão em cena, qual a sua função social, o que pretendem atingir. Esses infelizes saem de uma escolinha de teatro qualquer, onde atuaram em grandes clássicos da dramaturgia universal como “As Bruxas de Salém“, por exemplo. Fazem uma ou duas apresentações para os familiares e amigos, que acham tudo maravilhoso e após o término do curso, enchem a boca para dizer que são atores profissionais, só porque tem a porra do DRT nas mãos. Grande bosta. Já trabalhei com muitos amadores que eram muito mais profissionais do que com àqueles que tem a carteira assinada e sua profissão regulamentada.

Hoje, a nossa profissão virou piada. Qualquer um pode ter DRT. É só pagar. E aquele ator talentoso, que não tem como pagar a taxa pra SATED, tem que dar um trampo de garçom, pintar a cara de branco, colocar uma bola vermelha no nariz e subir no palco como se estivesse animando festinhas de crianças nos Projetos Escolas da vida, tratando o público infantil como debilóides (coisa que não são), para conseguir grana pra pagar suas contas e a taxa abusiva do Sindicato pra conseguir o tão desejado DRT.

O grau de analfabetismo é tanto, que certa vez, nos bastidores de um teatro onde seria apresentada “Lisístrata“, uma atriz, chegou no camarim, “desesperada” e disse para outras atrizes que o Aristófanes estava na platéia. Todas sacaram a brincadeira, exceto uma, que acreditou realmente.
- Nossa - disse ela - ele veio da Grécia pra cá?

E todas riram da garota, evidentemente. Bem, nem tudo estava perdido. Pelo menos ela sabia que Aristófanes era grego.

Falta informação, faltam profissionais realmente capacitados, faltam bons orientadores. A classe artística é muito desunida e individualista. Por isso a Cultura está essa merda. É preciso urgentemente fazer alguma coisa. Senão, o que será do Teatro daqui há 10 anos?
Têm pessoas que vomitam teorias mas agem pouco. São puros punheteiros recém-saídos de alguma escolinha, que em seus devaneios em bares ou botecos decadentes, sonham com um modelo do teatro ideal. Mas a única coisa que conseguem atingir é o limite da mediocridade alcançada. Só.

Por isso (há exceções, evidentemente), o teatro está tão frouxo. Ou temos espetáculos comerciais ou espetáculos que não passam de masturbação mental que não dizem absolutamente nada.

Para finalizar, transcrevo aqui uma frase do grande Goethe: “Eu queria que o palco fosse uma corda bamba onde nenhum incompetente ousasse caminhar.”

- Me Dá Um Convite?

“Não me peçam para dar a única coisa que tenho para vender”, já disse Cacilda Becker.
“Me dá um convite?”. Quem já não ouviu essa pergunta dezenas de vezes?
A gente já não ganha porra nenhuma durante os ensaios, tiramos grana do bolso para bancar a produção, transporte e a nossa alimentação. Não temos nenhum patrocínio ou lei de incentivo como a Rouanet, o Fomento ou outra merda qualquer, que bancaram a produção; ou seja, tudo foi feito às próprias custas. E quando o espetáculo estréia, o mínimo que esperamos, é recuperar a grana investida na produção durante a temporada. Fora isso, temos que pagar o aluguel do teatro, que não é barato. O que cabe à equipe é uma pequena porcentagem da bilheteria, que não chega a R$ 100,00 mensais se tudo correr bem e tivermos todas as sessões lotadas com ingressos que custam, em média, R$ 20,00.
Poucas pessoas pagam o valor inteiro do ingresso, pois existe a carteira de estudante, e o valor já cai pela metade. Além do desconto dado para a classe artística e as cortesias dos jornalistas.
Muitas vezes queria assistir a um espetáculo e não ia porque estava duro de grana. Nunca fiquei na porta do teatro, esperando pelo produtor ou diretor do espetáculo, mendigando por um convite. Se me davam, beleza. Mas sempre fiz questão de pagar pelo trabalho dos meus colegas.
Se a pessoa está a fim de ver uma peça e não tem grana, a solução é simples: é só deixar de tomar três cervejas, que já tem como pagar o ingresso. Você tem que optar: ou toma cerveja ou vê o espetáculo. A decisão é sua. Ou então, procure espetáculos gratuitos. Chegue no local com três horas de antecedência, enfrente aquela enorme fila do Teatro Popular do SESI da Paulista, adquira o seu ingresso e veja a peça.
Se eu vou andar de metrô ou de ônibus, preciso comprar o bilhete; se vou de táxi, preciso pagar a corrida; se vou a um restaurante, preciso pagar pelo prato; se vou comer uma puta, tenho que pagar pelo programa; se tenho um veículo, preciso pagar a gasolina e o estacionamento; se uso o telefone, preciso pagar a conta; se vou a uma locadora, tenho que pagar pelo filme; se moro num apartamento, tenho que pagar o aluguel e o condomínio; se vou na farmácia, tenho que pagar pelos remédios; se vou ao supermercado, preciso pagar pela compra; se vou ao cinema, tenho que pagar pelo ingresso. Por que com o Teatro tem que ser diferente?
Será que as pessoas não perceberam que vivemos, ou melhor, sobrevivemos disso? Será que alguém já chegou em um restaurante e pediu meia para o prato que comeu? Ou fez uma compra enorme no supermercado e ao chegar no caixa, pediu para levar os mantimentos de graça? Ou pediu um convite na bilheteria do cinema para a estréia de um novo filme? Ninguém faz isso. E por que nós, atores de teatro, temos que dar convite? Já não está na hora de mudarmos a nossa postura em relação à isso?
Será que as grandes produções, como “O Fantasma da Ópera”, “As Mulheres da Minha Vida” e “O Avarento”, liberam os convites para quem lhes pede? Essas produções são patrocinadas por grandes empresas e ainda assim os ingressos custam os olhos da cara. O valor inteiro do nosso ingresso multiplicado por 2, equivale à meia-entrada dessas produções que citei. Não é necessário dizer mais nada, não é?
Nós temos que nos dar ao respeito. Valorizar nosso trabalho. Dar convites apenas para quem nos apoiou. Aí sim, pois estamos fazendo uma troca. Posso sim, dar convites para uma pessoa humilde, que nunca foi ao teatro e que não tem, realmente, condições de pagar. Aí o papo é outro! Mas dar convites a quem pode pagar? Por que? Já não estamos oferecendo o espetáculo em troca do seu dinheiro?
Recentemente, fui alugar um DVD de uma locadora perto de casa e convidei a funcionária para a peça. E ela foi logo dizendo:
- Me arruma um convite que eu vou.
E eu, rebati na hora:
- Se você me der de graça a locação desses 5 DVDs que tô levando, eu te arrumo.
- Ah, meu amor. Não posso. Eu vivo disso. – disse ela, profissional.
- E acha que eu vivo do quê? Que me alimento de luz? – questionei, irônico e completei. – Se você não pode me locar esses DVDs de graça, eu também não posso lhe arrumar o convite.
Ela calou-se imediatamente, paguei pela locação e ela não tocou mais no assunto.
Eu valorizo meu trabalho. Se eu não fizer isso, quem irá valorizá-lo?

Vamos Acabar com o “Teatrinho”?

Quando fundei a Cia. das Artes Dramáticas, em março de 1995, tinha como meta montar espetáculos destinados aos tennagers. O grupo todo era composto por jovens na faixa de 13 a 18 anos. Eu também era jovem e queria discutir assuntos da minha idade.  Foram 7 espetáculos consecutivos abordando essa temática. Queria fazer algo diferente. Naquele momento não rolava montar textos adultos pois não dispunha de atores mais velhos.

Um dos atores me sugeriu  que montássemos um infantil. Não aceitei, evidentemente. Tinha horror desse gênero. Todos os infantis que tinha assistido ou lido até então, eram bobos, didáticos demais, sempre com um personagem com aquele “dedinho em riste” e aquela horrenda moral da história. Pior que isso, eram as cópias mal-feitas que faziam dos clássicos da Disney. Adoro a Disney, mas ver A Pequena Sereia, Alice no País das Maravilhas entre outras, não dava pé.

Crianças não são bobas. A maioria dos adultos tem o péssimo hábito de enxergá-las assim. São mais espertas que muitos adultos. Queria um texto que não subestimasse a inteligência delas. E não conseguia encontrar nenhum.

Já estava perdendo a esperança quando caiu um  texto nas minhas mãos: A Sopa de Pedra, da maga da literatura e do teatro infanto-juvenil Tatiana Belinky. Consegui encontrar neste texto todas as qualidades que procurava. O texto estava muito longe de ser bobo, didático, sem aquela moral da história. A moral existe, sim, mas está implícita no próprio texto. É um texto que “abre a cabeça” e não “faz a cabeça” da criança.

Fiz questão de conhecer pessoalmente essa dama que mudou radicalmente minha visão sobre o teatro infantil. E assim que a conheci, me presenteou com mais textos de sua autoria, além de um ensaio-tese que seu marido Júlio Gouveia fez para um Congresso de Educação, imediatamente  despertou em mim o prazer de dirigir espetáculos para crianças.

Tatiana foi responsável pela primeira adaptação do Sítio do Picapau Amarelo para a TV, na antiga TV Tupi, entre as décadas de 50 e 60. Bem, mas isso é outro assunto que fica para um próximo artigo.

E através da Tatiana conheci uma outra gama de autores que escreviam seguindo os ensinamentos da mestra: Ricardo Gouveia, Cláudia Dalla Verde, Zeca Capellini, Vladimir Capella e Gabriela Rabelo, todos com textos incríveis e que me mostraram que existe a possibilidade de fazer um trabalho de qualidade para essa faixa etária.

Alguém poderia me responder por que o teatro infantil é tão desvalorizado?  Por que os ingressos são mais baratos? Por que tem pouco espaço na mídia? Por que os grupos que montam infantis só podem usar o proscênio de um teatro porque não podem desmontar o cenário de um espetáculo adulto? Já está na hora de mudar essa visão deturpada que a maioria das pessoas têm a esse respeito.

O teatro adulto tem como função discutir questões sociais. Já o infantil  visa o lado educacional, preparando o adulto de amanhã. Como o adulto vai discutir questões sociais se não teve um embasamento na infância?

Muitos grupos que estão em cartaz atualmente com espetáculos infantis parecem desconhecer o real significado do seu ofício. Sorteiam brindes para as crianças como se a  apresentação não fosse um presente por si só, confeccionam cenários e figurinos belíssimos, que enchem os olhos dos pequenos com o objetivo de encobrir a idiotice do texto, a fragilidade da direção e a má interpretação dos atores.

A maioria dos espetáculos parecem programas de auditório, onde os atores ficam com aquele jogo de perguntas para as crianças e o que ouvimos é uma gritaria infernal que nada tem a ver com a emoção verdadeira. Pior que isso, são alguns professores que instigam os alunos a baterem palmas enquanto toca alguma música ou quando os atores cantam. O ideal seria que os adultos não acompanhassem as crianças. Mas infelizmente, isso não é possível. E não é porque a criança está parada,  quieta, acompanhando o espetáculo, que ela está passiva.

Basta de cópias dos clássicos da Disney, chega de textos didáticos e infantilóides, de diretores e atores que não conhecem a alma infantil. Se algum leitor montou ou tem interesse em montar espetáculos infantis, leiam os textos de Tatiana Belinky e assistam as montagens do Vladimir Capella. Façam isso e depois me contem. Garanto que a visão que vocês têm a respeito do teatro infantil nunca mais será a mesma.

“O Teatro dá Alegria a Todos, Exceto a Quem o Faz”

Essa frase foi dita por Isabella (Emanuelle Beart) ao jovem Barão de Sigognac (Vincent Perez) diante da cova rasa onde foi enterrado Matamouro (Jean François Perrier), personagens do melhor filme que já vi na minha vida, “A Viagem do Capitão Tornado”, do genial Ettore Scola. O filme foi rodado em 1990 na Itália e na França e é a quinta adaptação do romance de Théophile Gautier. Conta a odisséia de uma companhia de saltimbancos que atravessa a França do século 17 e leva um jovem barão decadente até Paris.

Vi o filme pela primeira vez, em 1993, no Cine SENAC, em Sorocaba. Após a sua exibição, lembro-me, como se fosse hoje, da minha crise de choro. Estava diante de um dilema: “será que vale a pena fazer teatro?”. Eu era muito jovem e tinha escolhido o teatro como profissão. E tanto o filme quanto a frase de Isabella, me balançou.

Eu estava no 1ª série do Curso Técnico de Processamento de Dados, no colégio Objetivo de Sorocaba. Estudava de manhã e passava às tardes e noites no Teatro, todos os dias, de segunda a segunda. Era a minha paixão e me dedicava muito. E no período da manhã, enquanto estava na sala de aula, em vez de prestar atenção na explicação dos professores, ficava debruçado sobre o texto. No final do bimestre, ao pegar o boletim, vinha o desespero. Notas baixas em todas as matérias. Eu não gostava do curso mesmo. E decidi abandona-lo definitivamente porque aquilo não era a minha praia. Onde eu me sentia feliz mesmo, onde me realizava, era no Teatro.

Hoje revi o filme pela 18ª vez. Fazia muito tempo que não o via. E pela 18ª vez, chorei. O Scola pega pesado. É um nocaute psicológico.

Sempre tive vontade de fazer como a “Companhia Viajante de Arte Cênica”, nome da trupe dos saltimbancos do filme. Comprar uma carroça, selecionar um pequeno elenco e viajar pelo mundo apresentando os espetáculos em vilarejos. Hoje não tenho mais esse desejo.

Concordo, em parte, com a frase de Isabella. O Teatro me dá alegria, sim. É muito bom estar no palco, seja como ator, dramaturgo ou diretor. Você fazer com que os espectadores reflitam sobre a sua existência, coisa rara de se ver hoje em dia. É uma pena que o Teatro, melhor dizendo, a Cultura em geral, não é valorizada como deveria, infelizmente.

Mas a maioria da população brasileira não está nem um pouco preocupada com a Cultura. Pra quê? Temos o futebol. O que se pode esperar de um país que pára durante a Copa do Mundo para ver 22 idiotas disputando uma bola durante 90 minutos?

Como gostaria de ter nascido na Grécia do século V a.C., no berço das artes, onde o Teatro era realmente valorizado. Mas como vivo no Brasil, um país descoberto em 1500, em pleno Renascimento, onde todas as coisas chegam tardiamente, terei que ter mais um pouco de paciência. Sonho em ver um estádio de futebol lotado (o Teatro de Arena grego nada mais era que um campo de futebol dividido ao meio), onde seriam realizados anualmente Concursos de Dramaturgia, como os grandes concursos gregos. É utopia, claro. Mas se isso realmente acontecesse, gostaria de estar vivo para presenciar esse momento.

A Angústia de um Dramaturgo



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A Angústia de um Dramaturgo
Por Julio Carrara - 05/04/2007



No meu aniversário de 7 anos minha mãe me perguntou o que eu queria ganhar de presente. Fui taxativo: “uma máquina de escrever!” Lembro-me como se fosse hoje da sua reação. Ela arregalou seus olhos claros numa expressão de espanto. Ela esperava ouvir: um skate, uma bike, algum jogo eletrônico, coisas que qualquer garoto da minha idade gostaria de ganhar. Ela sugeriu algo do tipo, mas nada daquilo me interessava. Eu queria uma máquina de escrever. E depois de muita insistência, ganhei o tão sonhado presente: uma Olivetti portátil.

Com a máquina de escrever sobre a mesa, sob o olhar atento da minha mãe, coloquei uma folha no meu instrumento de trabalho e comecei a datilografar. Eu já sabia ler e escrever razoavelmente, mas a vontade que tinha era preencher uma folha inteira só com o meu nome. Foi o que fiz. Escrevi inúmeras vezes JULIOCESARCARRARA JULIOCESARCARRARA JULIOCESARCARRARA Arranquei a folha da máquina e coloquei sobre a mesa. Minha mãe viu aquilo, sorriu, tentando decifrar o que se passava na minha cabecinha e foi fazer seus afazeres domésticos. Ela deve ter pensado: “daqui a pouco ele enjoa e essa máquina vai ficar encostada num canto”.

Para sua surpresa, isso não aconteceu. Todos os dias eu escrevia alguma coisa. Era como um ritual. Eu chegava da escola, brincava um pouco com meus amigos na rua, voltava pra casa, tomava banho, jantava, sentava-se diante da máquina, escrevia e depois ia dormir para no dia seguinte começar tudo novamente.

… E o tempo foi passando… Cheguei na puberdade: espinhas indesejáveis brotavam no rosto, o desejo aflorando junto com o despertar da sexualidade, o primeiro beijo, as inúmeras punhetas, a primeira namorada, a primeira transa, o primeiro porre, o primeiro cigarro, o primeiro baseado, as angústias e decepções, enfim… Eu tinha muitas histórias pra contar. E como sempre fui muito tímido (apesar de não parecer), a maneira que encontrava de extravasar o que sentia era escrevendo. Escrevia muito, de manhã, tarde, noite, madrugada. Até os olhos embaçarem e os dedos doerem.

O barulho irritante da máquina de escrever enlouquecia a todos lá em casa, principalmente quando escrevia no período noturno. Ganhei uma máquina elétrica, que era um pouco menos barulhenta do que a minha velha Olivetti, mas mesmo assim, seu ruído incomodava. Eu PRECISAVA escrever e era reprimido porque minha família queria dormir. Mas logo em seguida, ganhei um microcomputador. Aí sim eu poderia escrever até altas horas que não incomodaria ninguém.

Nunca fiz um curso de dramaturgia, minto, fiz sim, mas o abandonei na segunda semana porque não estava me agradando. Eu odeio fórmulas, receitas, padrões pré-estabelecidos. Meu objetivo sempre foi e sempre será transgredir, cagar pra fórmulas, receitas. Porra, teatro não é culinária… Aprendi fazendo, lendo muitos textos e livros de e sobre dramaturgia.

Durante um bom tempo escrevi por hobbie. Pode parecer egoísmo da minha parte, mas eu escrevia pra mim, pra me agradar. Nunca pensei em agradar os outros.

O dramaturgo é como Deus (se bem que Deus é um péssimo dramaturgo, pois reservou para todos o mesmo final). Ele tem o poder de traçar o destino das personagens que criou com um simples toque com os dedos no teclado, punindo ou recompensando os mesmos. Ele manipula as personagens da forma que bem entender. É uma sensação inenarrável.

Nos meus textos não existem mocinhos ou bandidos por uma questão bem óbvia: ninguém é totalmente bom ou totalmente mau. Cada um tem o seu lado bom e o seu lado mau. Somos seres humanos, com defeitos e qualidades. E é dessa forma que enxergo minhas personagens. Eu tenho uma galeria imensa de anti-heróis. É difícil reconhecer o protagonista e o antagonista num texto de minha autoria, pois todos são, ao mesmo tempo, mocinhos e bandidos. Claro que existe o conflito, porque sem conflito, não há drama.

Recentemente comecei a escrever um novo texto. Não consigo concluí-lo de jeito nenhum. Não estou numa fase criativa. Falta-me inspiração, imaginação, criatividade. Fico horas sentado olhando pra tela em branco, levanto-me, fico na janela tentando decifrar o que está por trás das luzes acesas dos minúsculos apartamentos, imaginando os problemas desses seres anônimos; ouço vozes das pessoas que passam pela rua, olho para uma enorme lua cheia no céu. Sento-me novamente diante da tela. Escrevo uma ou duas linhas. Leio, não gosto, apago. Volto a olhar a tela em branco. Fico angustiado, impotente por não conseguir escrever nada. Choro e penso: “Porra, será que a fonte secou?”. Escrevo mais duas ou três linhas. Leio, não gosto e apago novamente.

Para es´pairecer, entro na internet: abro minha página do orkut, minha caixa de-mails, converso no msn, visito blogs e sites, esperando encontrar algo que possa me inspirar e… NADA. Nada acontece, como no universo das peças de Tchekhov.

Olho para o relógio que marca seis horas, pra tela em branco, pros primeiros raios solares… Minhas pálpebras pesam, minha boca se abre num bocejo, meu corpo pede cama. Preciso dormir e estou chateado porque não produzi nada. Sinto-me um inútil. Não quero repetir velhas histórias. Eu quero de volta a minha criatividade. Mas enquanto ela não volta, vou descansar. Quem sabe um sonho não sirva de inspiração? Talvez, quem sabe. Mas nada como um dia após o outro.