Artigos Diversos

Passei no teste. E agora?

“Tati Olá! Tudo bem com você? Sou leitora assídua da tua coluna e gosto muito dos seus textos. Mas não foi exatamente por isso que escrevi.

"Sou atriz, sabe… Estou começando, mas já fiz duas peças amadoras e agora passei no primeiro teste para peça profissional que fiz na vida. Na verdade nem acreditava que fosse aprovada porque estava realmente nervosa na hora do teste e gaguejei algumas vezes. Se eu fosse o diretor jamais teria me aprovado! Aliás, quando estava lá, esperando minha vez de fazê-lo lembrei do texto que você escreveu sobre como se comportar na hora do teste. Eu não lembrava muito do texto e quando cheguei em casa reli. Ótimo. Gosto muito mesmo, mas achei que faltaram nele umas dicas de como fazer um bom teste. Isso eu aprendi pouco na escola onde estudei teatro porque não era uma escola regulamentada e nem sequer profissional, então eles falavam super pouco de teste nas aulas práticas. Mas mesmo assim eu gostava muito das aulas práticas. Incrível como eles sempre nos deixam tão nervosa quanto na hora do teste, você não acha? Um horror. Agora, essa aprovação, me faz pensar numa escola séria, reconhecida pelo MEC e pelo SATED e tudo mais (aliás, se tiver uma dica de boa escola, me avise, por favor!)

"Mas voltando… Te escrevo porque passei no tal do teste. Pronto. Eu não sei como, mas passei e ontem quando cheguei em casa, tinha um recado na minha secretária eletrônica pedindo que eu ligasse lá. Já liguei, mas ninguém atendeu.

"Eu estou desconfiada que eles não trabalham na sexta-feira depois das 19:00 horas – ainda mais com esta chuva que está arrebentando São Paulo quando cai (aqui na minha casa chove terrores, dá até medo!). Sabe o que eu gostaria muito? Ser treinada para fazer uma boa “temporada” de ensaios. Eu nunca entrei num ensaio profissional e estou muito, muito preocupada em como as pessoas me receberão sabendo que sou a mais nova e a mais inexperiente (na verdade nunca fiz NADA que fosse diferente de AMADOR!!). Acho que eu tenho receio de como o elenco vai olhar pra mim. Será que eles vão pensar: “que esta menina está fazendo aqui?”. “Nossa, como ela passou no teste tão fraca assim?”.

“Tati.. Estou assustada. Nunca estive com um elenco destes antes. Tá bom!!! Sei que não tem ninguém famoso no elenco (e ainda bem que não tem mesmo porque senão eu enfartaria com certeza!!!) mas mesmo assim estou insegura, me achando metida a besta de ter feito este teste (e pior ainda: ter passado!) e louca com a possibilidade de dar tudo errado.

Você tem aí um Manual de ensaio? Já procurei no Google e nada.. Já entrei em alguns sites de teatro e não existe manual de ensaio!!! Como as pessoas iniciantes sobrevivem sem um Manual de ensaios? Você pode me ajudar? Eu imagino que sim e sei que se puder, vai me mandar, né?
Obrigada por tudo.
Aguardo sua resposta ansiosamente histérica.

Um beijo.
X”

A resposta:

“X!!
Olá, querida.

Tenho pouco pra lhe dizer, mas achei seu e mail genial. Não existe um Manual de ensaios (que eu saiba). Caso existisse aí sim que todo mundo, efetivamente, só ia querer o glamour da vida de artista. Aff!
Fique sossegada. Se o diretor do teste te aprovou, provavelmente você fez um bom teste. Ele, certamente, não vai se comprometer com outras pessoas só pra te fazer feliz. Tenha certeza absoluta disso. Confie em você, ninguém fará isso melhor do que você mesma.
Quando começarem seus ensaios, me escreva contando como tem sido. Faço questão de acompanhar esta saga!
Precisando de mim novamente (esquecendo a parte que não pude te ajudar), escreva-me, flor! Estou à inteira disposição. Um grande beijo e muita merda,
Tati Cavalcanti

O Teatro e seu óbvio

Ser ator não é um mistério tão grande quanto o que se possa imaginar. E talvez isso aumente ainda mais o seu fascínio. Há em volta dele uma aura de mistério e encantamento. Sim, a profissão de ator fascina porque, à moda dos bruxos e encantadores, é capaz de criar vidas muito além da sua própria. Como eu já falei, está muito próximo do sacerdote que traveste-se de deus para manifesta-lo aos homens. Entretanto, essa explicação não faz de ninguém um bom ator. Nem tampouco esclarece os vários enigmas óbvios que surgem.

Tenho pra mim depois de algum tempo de palco, e principalmente, depois de algum tempo de direção e ensino observando os atores e alunos, que a resposta aos muitos por quês reside no fato óbvio de dissociar o trabalho do ator da pessoa que o executa. A meu ver parece que conseguem a proeza de partir o sujeito ao meio, criando uma figura à paisana e outra que cumpre o papel de ator. Claro que essa distinção existe pois o foco da vida muda: Ora está voltado para o trabalho, ora para o lazer, ora para a família… Mas da mesma forma que um médico não deixa de ser médico só porque saiu do hospital, um ator não deixa de ser ator só porque está fora do teatro.

Obviedades à parte, isso influi diretamente na formação do ator. Vejo muito um ator ser educado para especializar-se na profissão Para ser capaz de citar conceitos prontos, tirar da cartola algumas técnicas infalíveis que surpreendem o público e assim por diante. Especializar-se na arte de interpretar não é transformar-se num técnico que segue métodos prontos. E aí está a grande e óbvia atrapalhação: quer-se seguir o método proposto por Stanislavski, Brecht, Brook, Boal, Barba… quer-se pegar a experiência desses encenadores e aplicá-la como se fosse uma receita de bolo simples e fácil. Se você caminhar assim será um bom ator, se olhar assado será um bom ator, se fazer um gesto tal será um bom ator… Se todos prestassem realmente atenção em Stanislavski, principalmente nos primeiros capítulos de A Preparação do Ator, veriam que isto tudo já foi visto pelo mestre e condenado por ele. Ficar executando exercícios apenas não é mais do que tentar adquirir muletas para enganar o público… e a si mesmo. São tentativas exteriores que fazem apenas preparar para o fingimento. Há os que fingem bem… mas a grande maioria finge mal e por quê? Porque não observam o óbvio. Receitas de bolo não existem. Stanislavski sabia. Brecht sabia. Qualquer um sabe. O que existe é a conquista de um conhecimento através da experiência. É o chamado conhecimento intuitivo. Esse tipo de conhecimento, distinto do racional e lógico, é próprio dos artistas e de todos os que compreendem a realidade através da criatividade. A aprendizagem por esse tipo de conhecimento vem, como eu disse, através da experiência. Da sua experiência. Parte da capacidade do próprio indivíduo de assimilar e aprender, conquistar respostas criativas a problemas propostos, aprender de tal maneira que o aprendizado torna-se orgânico, manifestando-se espontaneamente quando solicitado. Você realmente aprendeu alguma coisa quando não precisa mais pensar nela, simplesmente sabe. Faz parte da sua experiência de vida. É sua e intransferível. O que normalmente acontece é que não se dá muita atenção a esse tipo de aprendizado. Ele está lá. Mas as fórmulas prontas são mais tentadoras e menos trabalhosas. O que eu observo é a falta de paciência para aprender alguma coisa de fato. E as escolas com seu cronograma apertado ajudam nisso. Executam um exercício, como caminhar pela sala para adquirir a consciência espacial. Caminha-se pela sala. Está se fazendo o exercício. Mas comumente isso não vai adiantar de nada. Dez minutos depois já vão querer trocar de exercício por achar esse muito chato. Na verdade fizeram apenas a exteriorização do exercício. Seguiram o método proposto. Mas esqueceram que isso só não basta. O objetivo é óbvio: adquirir a consciência espacial. E daí? E o que falta, eu pergunto. Falta consciência. Sem consciência não vai saber nunca o por quê de cada exercício por mais que seja óbvio. Aliás, não se é capaz de enxergar nem o óbvio.

Geralmente se pensa que para ser ator basta fazer exercícios, seguir algumas regras e ir para o palco. Mas esquecem o que vem antes. A consciência. Quando não se tem uma consciência clara do que se quer, o foco vai para qualquer lugar, repousa nas futilidades e ilusões do espetáculo. Antes de perguntar o por quê de cada exercício é preciso saber o que lhe move. Voltar os olhos para si para examinar-se com coragem e honestidade. Todo ator deveria se perguntar sempre: o que me move a fazer teatro? Quais são as minhas inquietações? O que eu busco? O que eu quero dizer? E não apenas como artista mas como ser humano. Isto parece bobagem e é por isso que a maioria deixa essas perguntas insignificantes de lado. Mas na verdade elas são o norte. Sabendo essas respostas grande parte dos enigmas do ator são decifrados. E mesmo que a resposta seja pela fama, o sujeito vai Ter mais chances de conseguir o que quer. Ter princípios é mais importante do que conhecer um amontoado de exercícios, todos inúteis pois são estéreis, sem consciência.

O grande óbvio ignorado: é preciso Ter a teoria conjugada com a prática. A experiência abre as portas para a real compreensão do que os grandes encenadores disseram, simplesmente porque eles disseram suas próprias experiências, nada mais do que isso. Por isso é óbvio que um ator “auto didata” sente mais facilidade de aprender as teorias da academia do que aquele que entra querendo apenas aprender através dos livros como se estes fossem a única fonte. Muitos têm os livros de Stanislavski como uma bíblia em tomos que deve ser cultuada e seguida a risca. Na verdade ele deixou registrado um guia, um norte, registros do que deu certo e do que deu errado no seu trabalho dentro do contexto do seu teatro. Foi uma grande conquista e um grande avanço, sem dúvida. Mas é um erro pensar no método de Stanislavski como um método fechado. Na verdade ele é um método aberto. E o gênio do encenador já dizia isso. O problema é que cristalizaram as idéias do mestre transformando-a em receitas de bolo. Acabaram repetindo os mesmo erros de seus alunos de Moscou. O método de Stanislavski está aberto porque é vivo e continuo… há muitas coisas para serem descobertas, outras para serem atualizadas… há coisas em que o encenador russo não pensou, não teve tempo, por isso ele próprio abriu a porta para que cada um prosseguisse com o seu trabalho. Que usasse o seu método como um meio de dar um passo a frente, e não um fim que imobiliza-se o ator num amontoado de regras óbvias. E isso só é conseguido com a experiência, com a experimentação.

Se o ator que teve preguiça de continuar o exercício de consciência do espaço tivesse continuado, se ele tivesse paciência para realmente aprender, ele perceberia a dinâmica, o tempo, a fluidez do espaço, de si mesmo, dos outros.. estaria integrado com aquela experiência. Seria uma experiência presente, sagrada, consciente… a consciência se abriria de forma profunda e verdadeira. Infelizmente, o modo de vida do ator não pode ser anulado. É por isso que eu digo que a pessoa não pode se apartar do ator. No conhecimento lógico, na tecnificação do ator isso é possível. Não sem um grande prejuízo. Antes do ator vem o indivíduo. E a consciência disso faz com que se trabalhe na causa de muitos problemas em cena como a ansiedade, a falta de atenção, a capacidade de jogo, o ego, o estrelismo… só pra citar algumas coisas óbvias.. é preciso pensar em conjunto. O teatro como uma escola de gente.
Atuar é antes de tudo um ato crítico. É preciso ser presente, ser uno. Para poder atuar.. o ator não é o centro das atenções, não no sentido egoístico… o seu centro de atenção só é válido se for capaz de mobilizar a ação. É ele propagador de idéias e emoções. Mas o modo de pensar mecanicista, tecnicista, lógico está tão arraigado que levamos isso tudo para o trabalho do ator. As convicções não são legitimas.. ou melhor, são legitimadas por um modo de pensar que estabelece a fama e a celebridade como bens de sucesso… e consumo… a sociedade é pop. E isso tudo é óbvio.

Os atores quando chegam na cena esquecem tudo o que aprenderam simplesmente porque não aprenderam nada. Nunca estiveram presentes no exercício. Nunca encararam esse trabalho como uma conquista pessoal de experiência, de consciência. Alguns tem uma arrogância íntima achando-se talentosos o bastante para não precisarem de tais práticas. Para quê ficar caminhando numa sala para adquirir a consciência do espaço. O que eu vou ganhar com isso, no que isso vai me servir na cena? Obviamente nunca pensaram que Ter a consciência do espaço colabora para que a cena fique mais limpa, para que a dinâmica do jogo seja melhor aproveitado, para que não haja os inevitáveis buracos no meio da cena, o espaço pesando para um lado e para o outro, a fluidez da cena possibilita um desenrolar que envolve o público ao invés de cansa-lo… os atores novatos se trombam e se encobrem no palco porque não tem consciência do espaço em que atuam. E mudando de espaço físico não são capazes de reconstruir o espaço teatral e se adaptar às novas condições físicas simplesmente porque quando tiveram que experenciar o espaço ficaram com preguiça. Não importa quanto tempo um exercício leve ou quantas vezes precise ser repetido.. e sempre se precisa repeti-lo pois cada vez é uma experiência nova, dinâmica, abre para possibilidades ainda não percebidas… mas existe a preguiça, a praticidade, as receitas de bolo, os métodos prontos… diretores se vangloriando de com quem trabalharam… alguns se prendem de tal maneira a isso que repetem incansavelmente os pensamentos velhos de seus mestres. Em vez de fazerem seus próprios caminhos, adquirirem suas próprias verdades ficam repetindo verdades alheias… é fácil se perder assim.. há quem se encante com pessoas que citam que conheceram fulano e sicrano… e é maravilhoso poder Ter grandes mestres… Desde que não se use isso para trazerem pra si o brilho que de fato não é seu. São mais parasitas de pensamentos cristalizados que charlatães. E ninguém sabe o que fazer porque ninguém sabe o que lhe move, quais suas reais inquietações diante do mundo, da vida, de si mesmo, do próprio teatro. Apenas abrem a boca e engolem qualquer coisa sem questionar… ninguém faz teatro de ouvir falar. Se faz teatro vivendo teatro.. e isso é óbvio.

Há tantos óbvios renegados… a conversa é longa… Respostas prontas são óbvias. E elas não servem muito para o ofício. Mas o óbvio que realmente é indispensável à profissão é a verdade de cada ator que move sua certeza de porquê está no palco. Alguns enxergam. A maioria escolhe a pavonice, aparecer nas revistas de fofoca, dar autógrafos.. isso é óbvio. Mesmo assim é triste. Infelizmente o mundo é pop.

A boataria dos testes no Orkut

Então é assim, um usuário qualquer entra no Orkut publica uma bobagem qualquer numa comunidade e meu email bomba.

O último foi, dentro da Comunidade "Oficina de atores da Globo" que dizia lá:
"A OFICINA DE ATORES DA GLOBO ABRE TESTES PARA MALHAÇÃO E PARA A PRÓPRIA OFICINA".
E quando abro meu email, dezenas de aspirantes me pedindo ajuda, um contato, uma dica.
Então vamos lá….
1. A Oficina da Globo não abre inscrições assim. O processo é lento e doloroso. Você tem que ter DRT. Tem que ter experiência em TV.
Ou então, em alguns casos, o famosíssimo Q.I.  O cara que indica você para o teste e só. Sem talento, dificilmente há Q.I que te mantenha em foco em qualquer arte. Qualquer arte mesmo.
2. A comunidade no Orkut não é de responsabilidade da TV Globo. Pelo pouco que pesquisei sobre isso, foi um produtor de televisão quem a criou.
3. Querendo entender como alguém publica um tópico desses - sabendo que vai causar frisson entre os aspirantes - lá fui eu na página da usuária que publicou e perguntei o seguinte:

"Fulana (para preservar o nome):

Li a sua publicação no Oficina de Atores da Globo e recebi uma série de emails perguntando como fazer para inscrever-se. Sou colunista de um site de teatro e meus leitores conversam bastante comigo. Por isso, querendo responder a pergunta deles com absoluta certeza, gostaria que você me ajudasse nessa missão.

Aguardo seu retorno e agradeço a atenção…
Tatiana Cavalcanti"
A resposta que recebi foi a seguinte:

"OLÁ …… BOM PELO QUE EU SEI O PESSOAL DA OFICINA PROCURA SEMPRE MODELOS MEIOS QUE FAMOSOS PARA FAZER OS TESTES E TAL… NADA DE TALENTO E BELEZA MESMO… EU SEI ISTO PORQUE TENHO AMIGOS QUE ESTÃO E JÁ FIZERAM OFICINA E FUNCIONA ASSIM MESMO. BEIJOS E ATÉ MAIS "

5. Insisto com vocês perguntando:

* Isso pode ser sério vindo de uma rede como a Globo?

* Como é que os aspirantes que estudam podem se dar o trabalho de acreditar num anúncio desse?

6. GARANTO a vocês que esse não é o critério de escolha da Rede Globo. Nem nunca vai ser.
7. Repito exaustivamente quantas vezes forem necessárias: estudem, estudem, estudem.

E enquanto estiverem estudando, pensem e me escrevam respondendo o seguinte:  quantos atores que chegaram lá indicados sem talento que persisitiram? Quantos atores que resistiram à falta de talento sendo apenas bonitos?
8. Para quem quiser ter certeza, consta dos meus scraps a resposta da pessoa.
Um beijo para vocês,

tati

A Arte da Observação

E de repente o mundo se entreabre num fascinante mistério de luz. O olhar percorre o espaço irrequieto, perturbado por sensações múltiplas, bombardeado por algo que perpassa a percepção. Há um abrir-se e fechar-se de momentos fugidios. Instantes fragmentados de uma vida realidade perturbada que penetra pela retina… Não é uma imagem. Não é o vislumbre de algo que se possa entender como real. A lógica não se aplica ao foco capturado pelo olho. Ela é, antes de tudo, uma experiência.

Observar é isso: antes de tudo uma experiência. Algo que trabalha diretamente com o intuitivo de cada um. Observar não é olhar com os olhos corrompidos de modernidade apressada. Aquele gesto quase profano, atitude indelicada de seres que perderam a capacidade da atenção. É antes um carinho, um aconchego, um respeito por aquilo que se abre aos olhos e, como a noiva em sua noite de núpcias, revela-se ingenuidade e doçura. É o ato mais intenso e profundo de um momento único, capaz de alimentar não apenas a percepção, mas também a alma.

A atualidade apressa aquilo que deveria ser tratado com calma. Já não há mais o tempo da degustação. Tudo é voracidade e violência. E há uma tal banalidade nisso que o mundo virou um movimento acelerado demais para os sentidos. Quando tudo é pressa não há tempo para alimentar a sensibilidade do artista. O olho está embotado. O olho, transformado em órgão supremo de uma sociedade que cultua a imagem como um Deus, está tão saturado de flashs estéreis que já não acompanha mais o belo. O vício da banalidade impregnou o olho com a irônica idéia de que tudo merece atenção. E se desacostumou-se a observar o singelo e o simples, tão promiscuo virou essa profusão de cores e formas. Conteúdo sem conteúdo de imagens que valem por si mesmas. Mas elas próprias não valem nada por que não dizem nada.

A arte começa, antes de tudo, pela sensibilidade do artista. E esta começa, antes de tudo, por um olho curioso e irrequieto que deseja novidades. Aquela necessidade quase infantil de descoberta de um mundo outro, um encantamento fantástico que está além da aparência dos olhos. O artista retrata a experiência daquilo que observa. Muito mais do que ver somente, a experiência da observação penetra por todos os poros, atingindo o ser em sua totalidade. A arte está em contato com a realidade. E a realidade é construída através dessa relação entre o meio e o ser.

Essa relação se dá não só pela ação, mas pela observação. Que não deixa de ser um ato. Embora um ato relegado ao desprestígio da inutilidade. Permitir-se ver o mundo com outros olhos, é também uma forma de interferência. É através desse novo olhar, dessa nova perspectiva que se abrem as respostas para a mudança. Muitas vezes o olhar é de pura indignação, outras de curiosidade, outras de ternura… mas é antes um enriquecimento. É o momento presente sendo olhado pela perspectiva única de um ser que questiona o mundo mesmo sem o saber.

Quantos abdicam da possibilidade do questionamento. Não pensam criticamente nem sensivelmente através de seus olhos. Nem sequer observam. Apenas há o fingimento de que estão vendo o mundo. Mas ver é muito mais do que enxergar. O artista deve antes de tudo treinar o olhar.

Permitir viver a experiência de deixar-se penetrar pelo momento presente. Estar consciente de que o mundo não pára, de que existe coisas belas misturadas a coisas feias.. de que o feio é só um ponto de vista torto ou pré concebido… o preconceito mata a capacidade da observação. O olho não precisa de julgamentos. Ele apenas precisa a gentileza e da generosidade daqueles que aceitam com os braços abertos. A observação aproxima a arte da sua essência verdadeira. E o homem da sua já tão esquecida capacidade de se encantar com o que é simples. Teorias, frases bonitas, citações são boas para a razão que põe tudo a prova. Mas o silêncio é mais poético. O silêncio retrata o olho com mais beleza. As vezes, o artista precisa calar sua arrogância para abrir-se para a arte. As vezes o artista esquece-se do que é ser artista. Confina-se num emaranhado tolo de técnicas e teorias e esquece de olhar a vida. Olhar com olhos puros de quem se encanta pela primeira vez. A arte da observação não precisa mais do que generosidade… consigo e com o mundo à volta. Infelizmente, ainda existe a arrogância do artista…

O Ator e seu Não Conceito

O ator! As vezes essa palavra parece transfigurar-se numa entidade. Toma contornos enigmáticos e misteriosos. Habita o imaginário das sociedades com sua força quase bruxólica. Muito embora travista-se de deus de quando em quando, não deixa de ser homem. De carne e osso, pulsa a mais profunda humanidade. Chafurda nas misérias e mazelas daquela entidade ainda mais enigmática que o próprio deus: o ser humano.

O onírico encanta os sentidos com sua aura mágica e transcendente. O onírico traveste o homem de sonho para fazer contar sua própria história como se fosse de outro. Falar de si como se fosse uma voz que caminha pelas estradas, ecoada de boca em boca, passada de ouvido em ouvido, cada vez a alma de cada um… até repousar na figura daquele de quem se fala: todas as bocas, todos os ouvidos.
O ator! Haveria uma resposta definitiva para nomear, ou melhor, denominar o que seja ele? Quem ainda não se transformou em sujeito fato. A identidade é estilhaçada em mil possibilidades de ser. Entre tragédias e comédias a expressão maior de um obscuro que fascina e causa espanto. Dizer que o ator é quem, é o mesmo que trata-lo como sendo gente… pessoa comum igual a qualquer um… igual a tantos perdidos nos descaminhos da vida. E muito embora seja ele qualquer um – ainda mais qualquer que tantos -, ri escarnecido da verdade vaidosa e triste que está muito além das aparências.

Não se atua por escolha. Ninguém escolhe a chama que nasce consigo consumindo as entranhas. Ninguém nasce contente pela inquietação latente diante do espelho da realidade. Atua-se por convicção. Uma crença profunda que move o ser de tal maneira… sem palavras, sem explicações. Atua-se por desespero de saber-se ação. O Verbo encarnado que gera uma vida, um mundo… todas as vidas, todos os mundos. Não há como não desesperar-se…

O ator! O que é? Não é.. não pode ser. Não pode existir. Porque é, existe. Está ali dançando alegremente a contradição da existência. Com toda a sua verdade, mente. Com toda a sua fantasia mostra a realidade. Mesmo lacrimoso, ri. Mesmo morrendo, vive. O que… objeto brincalhão… O que… ferida aberta sangrando que do latejo permanente lembra que há algo de errado. Tratado como tumor, seu gemido é a cura para as falácias e as hipocrisias. Mesmo marginal, escorraçado para os guetos fétidos, ainda é o santo que levanta a voz erguendo-se do lodo, exibindo o lodo, cheirando o lodo, comendo o lodo… o brilho as vezes encobre essa aparência viscosa de quem revirou o lixo. O brilho as vezes esconde a dor daquele que fez a pior das escolhas…

O ator! Posto num pedestal até se pode dizer que é elegante. Mas a chama tinhosa continua queimando por dentro. Passado os tempos, novos meios, novos métodos. Mas a inquietação persiste. Mesmo com longos vestidos, jóias, o próprio nome farsesco escrito em luminosos, não pode negar o fato de que nasceu para carregar em si a sina de ser a própria alma do homem. De ser o espelho do homem. O reflexo de si mesmo.
Há quem perca tempo em querer nomeá-lo. Decifra-lo como se ele fosse o enigma da esfinge. A verdade é que não possui nomeação. Inominável. O verbo em substantivo próprio. Objeto do próprio sujeito. É apenas isso: O Ator! E resumido ao agente da ação não precisa de mais nenhum entendimento. É isso apenas. Sem grandes mistérios obtusos. Ainda assim a chama queima. Essa sim, inominável. Como apaziguar a víscera gritante? Não há resposta. Só há a pergunta… o silêncio fingindo da não explicação.

Uma carta sobre as coisas do teatro

De um lugar qualquer, 27 de março de 2005.

Caro meu,
   Neste dia de outono chuvoso e cinza, faço emergir minha alma de um silêncio profundo. Prolonguei-me na ausência. Por vezes é necessário calar as idéias e pôr-se num estado meditativo. Minha ausência não fora desleixo, mas uma certa ibernação de pensamento. Enfim, volto outra vez ao caminho de onde as vezes penso em escapolir: o teatro. É necessário pensar no teatro. Mas não como fazem os grandes e pequenos mercadores de sonhos. O teatro é uma entidade. Não é um bem ou serviço qualquer que pode ser comprado ou devolvido quando já não se sente mais a necessidade do uso. Nem é desses artigos velhos esquecidos no fundo do armário que, vez ou outra, são recolhidos para se jogar fora. O teatro é uma entidade. Uma necessidade humana como pão e água. Mas, prolongando meu olhar para além do horizonte sinto que já não é mais assim. Andamos em tempos de miséria e fome. Já não sobra pão, já não verte água… Caro meu, não posso pensar em teatro sem pensar na revolução que ele causa na alma da pessoa que o assiste, no seio da sociedade que o abriga… andamos com medo da revolução… andamos com medo, eis tudo… Mas existe sempre a esperança dos loucos…  e ela me veio sorridente e lúdica…

Perdão se escrevo em demasia… rascunho aqui certas idéias que andei meditando nestes dias de arrolbos e silêncios. Andei lendo muita coisa e ouvindo muitos pontos de vista. Concordo com alguns, descordo de outros. Mas há um desejo latente de se dar um passo à frente na questão. Penso que não adianta apenas brigar por pequenas migalhas. Eu sei, ando repetindo minhas próprias palavras… Nem se pode resumir o panorama teatral brasileiro em alguns polos citadinos como São Paulo. Embora em São Paulo haja um movimento teatral organizado e atuante, pelo menos é o que faz transparecer. Mas insisto em dizer que o Brasil é muito grande. E a realidade do Teatro varia dentro dessa imensidão. Então já não posso falar de um teatro, mas de muitos teatros. Como já não posso me referir a gente de teatro como classe, seja artistica ou teatral. Abri meus olhos e vi que isso nada mais é do que falácia. Não há uma única classe, mas muitas. Todas tão distintas, tão heterogêneas que seus quereres não se cruzam nem se coincidem. Não posso resumir em uma classe um universo inteiro de contradições.

Posso falar apenas da minha realidade mais próxima. Uma realidade cruel no que se refere ao teatro. Como bem sabes, moro numa cidade ao sul de Santa Catarina. Cá também temos nossos melancólicos pólos culturais: Florianópolis, Joinville, Blumenau( pelo fato de sediar o festival universitário de teatro), Itajaí, alguma coisa em São Chico e Jaraguá do Sul, muito pouca coisa mesmo… No resto do estado um grande limbo… Cá onde estou não pertence nem à rota.. só um ou outro espetáculo de quando em quando. Embora muitas vezes profundamente desencantada com a labuta dura e diária, ainda sou fiel à idéia de que o movimento teatral deve fazer-se também pelas cidades do interior. Por quê? Para assim também poder ampliar o raio de ação dos grupos, fomentar efetivamente o  teatro, criar um circuito de apresentações - não apenas o circuito dos festivais -, possibilitar a formação de grupos cuja finalidade seja pesquisar novas linguagens, formas e estéticas teatrais,  criar um intercambio entre localidades, criar e cultivar um público de teatro que hoje não existe. Por vezes não existe nem nos grandes centros, que dirá nos pequenos.

Teatro é para o povo. Sem populismo. É preciso pensar não apenas na formação do ator mas também da platéia. Pouco se pensa nesse espectador que é diferente de consumidor. É preciso reavivar a figura do espectador. Pois teatro só acontece do ponto de vista da plátéia: ¨Lugar de onde se vê¨, lembremos da tradução do grego. Pois bem, como querer fazer teatro, se não há uma preocupação com aquele a quem se destina o espetáculo?! Não penso nessa platéia como um mero pagante. Não quero essa platéia morta, que fica estática, quietinha, enfurnada numa poltrona desconfortável, assistindo alienadamente a uma peça de teatro. Quero uma platéia participativa e capaz de permitir-se ser tocada e transformada. Não pretendo uma platéia de seres analfabetos para as coisas de teatro, treinados na linguagem televisiva que sempre espera ver no palco aquilo que aprendeu a ver na TV. E não adianta dizer que teatro é outra linguagem. Que  è algo artesanal não industrial.

As pessoas comuns não sabem - ou não se dão ao trabalho - ler, sentir, ou interagir com um espetáculo, não são íntimas desse universo humano, intenso, avassalador… Por vezes acham em estado de assombro, de susto… Por vezes têm medo do que possam encontrar. Por vezes têm preguiça.È preciso  cultivar o teatro como hábito para que ele vire efetivamente o que realmente é: uma necessidade. Mais do que a própria telenovela. Você já pensou no que aconteceria se um belo dia decretassem o fim desse folhetim? Não vou discutir se novela é importante ou não. Tem seu lugar. Um lugar que deveria ter também o teatro. A novela está no imaginário do brasileiro, da classe A a classe Z. O teatro não habita esse mesmo imaginário. Não é necessário. Embora seja essencial. E por quê? Porque na maioria das vezes não se trata o teatro desse jeito, mesmo a gente de teatro. Não investe na qualidade da platéia que assiste. Não apenas a platéia rica que pode pagar por ingressos caros, mas o público comum… Por isso é tão importante o teatro movimentado também no interior… para formar essa platéia que saiba assistir a um espetáculo e saiba cobrar pela qualidade desse espetáculo.

Um grupo que não veja como impossível a montagem de seus espetáculos, a formação técnica de seus atores, que não pense em leis de incentivo como algo inacessível - pois é o que é, dada a esbornia em que se transformaram essas leis que beneficiam apenas aos ¨mais chegados¨. Um teatro criado pela solidariedade dos próximos, com investimentos de gente da própria localidade. Um investimento não por mera mercantilização, mas por compromisso com a sua realidade local. Há pessoas também no interior com a possibilidade de se transformarem em viabilizadores de espetáculos. Investir na qualificação dos grupos (mesmo amadores), não como alguém que investe seu dinheiro para obter um lucro, mas como alguém que se torna parceiro de um trabalho capaz de transformar a realidade e a vida. É preciso incutir na cabeça a necessidade da parceria, da solidariedade. Não apenas os que podem viabilizar o trabalho, a fomentação, mas entre os próprios grupos existentes. O teatro pode muito bem valorizar mais a criação, a criatividade e a qualidade e menos o valor total do orçamento da produção. É preciso cultivar o campo para que os pequenos tenham também espaço para crescer.  Pois teatro no Brasil ainda é muito caro. Colocar uma montagem de pé não é para qualquer um… E aqueles que trabalham não são apenas amantes, mas trabalhadores. Se é difícil nos grandes centros, que dirá nos pequenos… Minhas palavras soam como utopia… Grandes utopias… mas é preciso ir atrás das solições, caro meu, não apenas ficar parado reclamando. E uma boa opção é esta.

Embora o trabalho seja árduo e de longo prazo. Começar com pequenos movimentos, atuando numa realidade mais próxima, mobilizando as pessoas mesmo que silenciosamente.. um movimento silencioso, mas um movimento vigoroso e transformador. Caro meu, eu não posso mudar o panorama do teatro no Brasil, nem posso mudar o pensamento dos que fazem teatro. Mas eu posso atuar nos que estão mais perto. Posso tentar transformar o meu meio, os do meu convívio. Por mais que seja árduo o esforço.. e por vezes desalentador… mas pense se esse mesmo movimento começar em diferentes cidades interioranas, em diferentes localidades, cada um no seu espaço, ocupando esse espaço, criando e demarcando um território para o teatro, fazendo-se presente.. e depois dando passos adiante, formando platéias, formando circuitos pequenos.. que integram outros circuitos um pouco maiores… e quando ninguém estiver notando o movimento já estará implantado, já estará vivo e sem depender de certos desejos ou poderes maiores… grandes utopias… mas ainda há a esperança dos loucos, caro meu…


Voltando à minha decantada realidade, o que noto é isso. Aqui não se cultiva o hábito do teatro nem a prática do teatro.Há poucos grupos formados. E sua produção não chega ao público local. Se não há teatro, porque haver apoio ao teatro? Aqui trata-se muito como algo ligado a hobby, prazer de fim de semana, arte terapia. As pessoas vão fazer teatro para aprender a falar em público, perder a vergonha e a timidez… nem vou lhe dizer que isso é apenas uma pequena conseqüência do trabalho, não o objetivo principal. Mas já não culpo o público por isso. Sua tendência é seguir uma idéia que está arraigada na tradição cultural. Ou se vê o teatro como ¨o teatrinho¨ feito sem grandes pretenções, ou se vê como produto de um mercado que está além das fronteiras. Um produto caro e distante. O merdado! As vezes damos a ele um poder que de fato não possui. Transformamos o mercado num gigante assustador e temido. As leis do mercado, o poder do mercado, quem não está no mercado está morto… Criam-se tantos mitos e crêem-se em tantas falsas verdades…Há uma vida para além da rota mercantilista. Uma vida fulgurante e animada. A prova disso são trabalhos de grupos comprometidos com a qualidade e a criação. O grande problema  desse ¨mito do mercado¨ é essa tendência em transformar tudo em produto. Uma peça de teatro é um produto a ser vendido, um negócio a dar lucro, uma coisa… Andamos coisificando o teatro. O teatro não é uma coisa, mas uma manifestação. Caro meu, anda tão na moda o termo ¨produto cultural¨ mas penso que não se vai muito a fundo no que isso representa. Coisificar o teatro é dar um poder grande demais a figuras que têm seu lugar, mas não são o centro do trabalho. Um deles é o produtor ( o executivo, o administrador), o outro é a figura do patrocinador. Ambos têm sua importãncia mais do que reconhecida. Mas sinto que seu espaço ultrapassou os limites e agora são eles quem têm o poder de decisão. Não dá para fazer teatro tendo que agradar a certos gostos particulares, encaixar-se em certos pontos de vista limitados… Muitas vezes esses resolvem decidir a favor do mercado, do que pensa-se que é mais aceito ou mais fácil de se vender. Seria muito bom quebrar essa lógica. Fazê-los mais comprometidos com o teatro. É necessária essa função executiva, pessoas com a capacidade de dar suporte e estrutura às idéias criadas dentro dos ensaios. O produtor deve estar a serviço do teatro e não o teatro a serviço dos interesse do produtor. Ou do patrocinador. Investir em teatro é investir em qualidade. Mas a qualidade anda meio esquecida ultimamente.

Li por esses dias que há uma certa indulgência entre certas produções ditas experimentais. Não sei se estou muito de acordo. Experimentar é importante. E permitir-se ao erro também. Muitas vezes são grupos que estão ainda buscando uma definição, uma identidade, precisam acertar o caminho… então não se pode julgar uma estrada por um passo em falso… ai faz falta essa solidariedade, essa generosidade entre as gentes de teatro, de não perdoar um erro alheio.. há muita gente pretenciosa, isso há.. mas há muitas gentes, de muitos tipos.. e generalizar é culpar um pelo defeito do outro…

Mas queria lhe comentar um pouco sobre a questão do descompromisso do poder público. Ainda ando escrevendo em demasia, mas são tantos os pensamentos, caro meu, e a questão do teatro anda ampla e complexa.. tanto que são necessários mais de uma carta para refletirmos juntos sobre tudo isso… Vou novamente falar da minha realidade, como exemplo… Aqui, como deve ser em quase todos os lugares, o caminho da ¨política cultural¨ segue a vontade partidária e não a necessidade da sociedade. Disse que aqui não há um movimento, o que não é de todo verdade. Há pessoas realmente comprometidas, tentando quebrar - ou driblar - o muro petrificado erguido em torno da cultura. Já é sabido que o poder público encara a arte como desnecessidade e entulho. Seja na esfera municipal, estadual ou federal. Muitos são os casos aqui de trabalhos ricos e promissores que foram simplesmente cortados porque trocou-se o partido no comando… ou mudaram-se os interesses. Essa é realmente uma das grandes pedras no caminho. Pois trata de prestar um grande desserviço. Mata o trabalho daqueles que querem fazer um trabalho sério em favor do compádrio. E há ainda o problema dos espaços fechados, dos círculos onde quase ninguém pode entrar… Não sei se é interessante querer dialogar com essa gente… nem sei se é o caso de ceder à bajulação ou ao sistema.. mas é preciso atuar em outras vias, à margem, mas atuar… As vezes como se o poder público não existisse… as vezes tentando achar uma brecha nessa muralha. Essa é uma realidade que não pode ser negada. E tem muito a ver com o verdadeiro valor da arte para aqueles que dirigem os poderes. O teatro não tem espaço! Não tem espaço físico.

Aqui não temos teatro, mas também não temos grupos de teatro que possam ocupar esse espaço. Nas cidades próximas que tem essa arquitetura, a ocupação é feita por tudo, menos por peças de teatro. Felizmente essa arte transforma qualquer espaço físico em espção teatral, mesmo com certo desconforto. Vejo que uma possibilidade de sair de circulo vicioso são outras instituições abrirem também seus campos para o desenvolvimento dessas idéias… Sei que seria pedir demais, mas com um pouco de boa vontade e compromisso instituições como universidades e institutos ampliarem também suas bolsas de pesquisa também para a área teatral - ou artistica. Mesmo as que não têm centros específicos com cursos de arte têm essa possibilidade de abrir espaço e dar suporte à formação de grupos com objetivo de desenvolver uma linguagem… ou mesmo de adquirir uma base teatral firme,  capaz de educar para as coisas de teatro a platéia mais próxima. É preciso ensinar a ler, não só a arte mas o mundo. E de forma crítica. É preciso ensinar a pensar e refletir sobre as coisas. e essas são funções inplícitas no serviço que o teatro presta. Falarei mais sobre estas questões de institutos, bolsas e afins numa outra oportunidade. Como são muitos os assuntos, vamos refletindo aos poucos. por enquanto, caro meu, dou-lhe o pequeno gosto das idéias espalhadas pelo papel. E termino esta carta com a doce esperança dos loucos.. Um louco em especial… Li a Bravo! deste Mês, e recomendo que leia também… Fala lá da reinvenção do teatro. Na capa um Zé Celso risonho e provocador. E nas muitas falas de sua entrevista, uma verdade que sempre ignoramos: ¨O futuro do teatro é o presente, é o presente, é o presente…!¨ Pois é, caro meu, não adianta pensar no que será, se ainda não somos. Não dá pra ficar empurrando tudo com a barriga…

Um grande e fraterno abraço,
 ou Merda! como muitas vezes dizemo-nos nas coxias,

Calorosamente,
Silv!